terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Entrevista

Oi gentes, blz?
Como prometido, hoje vou postar a entrevista ao jornal.
Até amanhã!

Aproveitem:

Medicina e Saúde - O Nacional - 06 e 07 de fevereiro de 2010
Especial
Convivendo com a doença

A descoberta da EM pelo correto diagnóstico é apenas o primeiro passo para quem é portador da doença. Saber lidar com os sintomas e as crises é uma das tarefas mais difíceis. Porém, com criatividade e amor pela vida é possível encontrar algumas alternativas que facilitem a convivência com a doença. E é assim que Bruna Rocha Silveira, 23 anos, publicitária, tem encarado a convivência com a EM. Ela mantém um blog, onde conta o dia-a-dia da doença. As experiências são compartilhadas com outros portadores. Diferente do que muitas pessoas podem pensar, Bruna leva uma vida normal e não deixa de lado seus objetivos. Recentemente ela foi aceita no programa de mestrado em Comunicação Social na PUCRS. No próximo mês inicia o mestrado e está de mudança para Porto Alegre com a mãe e a irmã, onde pretende se dedicar exclusivamente aos estudos. O Medicina & Saúde conversou com Bruna para saber como é a vida de um portador de EM e a motivação em idealizar o blog.

Medicina & Saúde - Como foi a descoberta da doença?
Bruna Silveira - Tudo começou quando eu tinha 14 anos e tive um formigamento na mão direita. Buscando o que podia ser aquele formigamento parei no consultório do neurologista. O exame de ressonância magnética foi que confirmou que eu tinha uma pequena lesão na mielina. Na época eu fiz uma pulsoterapia que é uma dose muito alta de corticóide, durante cinco dias, para acabar com a inflamação da lesão. Naquela situação o médico não quis fechar o diagnóstico, porque podia ser um fato isolado. Entretanto, um tempo depois, os dois braços formigaram, as pernas pareciam que se cruzavam enquanto eu caminhava e minha visão ficou embaçada. Voltei ao médico. Depois de um exame clínico e mais umas ressonâncias, veio o diagnóstico. Nunca vou me esquecer daquela cena de cinema: eu e minha mãe sentadas na frente do médico, ele escrevendo algo num papel e quando mostra o papel para mim mãe diz: "é, acho que é isso"; no papel estava escrito: esclerose múltipla. Na hora eu pensei: "estou ferrada! Se o doutor não fala nem o nome é porque deve ser uma porcaria muito grande!" Era 2000 e esse foi meu bug do milênio!

M&S - De lá para cá, quais foram as lições para vida tiradas da convivência com a esclerose múltipla?
BS - A partir desse diagnóstico foram muitos surtos, algumas novas lesões, pulsoterapias, consultas, exames chatos, desagradáveis e doloridos, experiências com medicações diferentes, tropeços, tombos e uso de bengala. Sim, eu não sou a mesma pessoa que seria sem o diagnóstico. Logo na minha adolescência vi que nem sempre quem te chama de amigo é quem fica do teu lado. Muitas pessoas se afastaram. Me magoei muito, sofri, chorei. Mas o bom de cair é que percebemos que temos forças para levantar e começar tudo outra vez. Olhando para o passado, vejo que passei pelas três fases de aceitação do diagnóstico: negação, barganha e aceitação. Primeiro neguei para mim mesma que eu tinha uma doença. E quando lembrava que tinha, bloqueava na minha cabeça que era degenerativa, progressiva e sem cura. Por causa disso sofri dobrado. Afinal, sentia sintomas de surto e me enganava, dizendo que não sentia nada. Por causa disso cheguei a ficar muito mal. Porque demorava para começar o tratamento. Como a EM é uma doença que não aparece, fica mais fácil enganar a si próprio. Depois vem a fase da barganha. Negociei com Deus, negociei com a doença, negociei com todos os santos. Acabei vendo que Deus não tinha nada com isso e que eu teria que levantar a cabeça, aceitar a doença e continuar a viver. Tive de parar com algumas atividades, mas descobri outras coisas, outros talentos. Vi que não adiantava eu lamentar minhas perdas. Nada ia voltar a ser como era antes. Então, o melhor que eu tinha a fazer era olhar pra frente e agarrar todas as oportunidades que eu tivesse na vida. Conheci pessoas maravilhosas que são amigas de verdade e estão comigo sempre. Mas também aprendi o quanto o ser humano pode ser cruel e preconceituoso.
M&S - Quais as dificuldades no relacionamento com as pessoas?
BS - Vi que se você tem uma deficiência ou doença que não aparece, ninguém acredita em você. Para a maioria das pessoas, quem tem EM é na verdade um preguiçoso. Elas não querem entender que nosso corpo é muito fraco e entra em fadiga muito rapidamente. Eu entendo que deve ser difícil para os outros (não esclerosados) entender que diabos é essa esclerose múltipla. Porque eu penso assim, quando a pessoa é cadeirante fica evidente sua deficiência. A esclerose, além de ser "invisível", assusta já no nome. Quando eu digo o que eu tenho as pessoas se assustam achando que eu sou meio louca, ou sei lá o que. Daí eu fico uns cinco minutos tentando explicar o que é a doença, mas mesmo assim fica aquele olhar desconfiado. Deve ser difícil para as pessoas entenderem que não é mentira e nem preguiça quando eu digo que eu não consigo subir uma escada, que eu não carrego a sacolinha do mercado, enfim, esse monte de coisas que meu corpo não permite. Aí vem aqueles comentários: "carregar a sacola não pode mas ir para o bar beber cervejinha pode né?!" Tem dias que dá, tem dias que não. Nem eu, esclerosada há tanto tempo, sei como será o dia. É de se desconfiar né: uma moça bonita (podem discordar se quiserem), limpinha, inteligente, bem arrumadinha querendo me convencer que é doente?! As pessoas esperam que todo portador de doença e/ou deficiência seja torto, feio, mal vestido, mal arrumado, mal humorado e, principalmente, burro.

M&S - Na primeira internação hospitalar, qual foi a sensação?
BS - Foi bastante ruim. Os profissionais da saúde que me atenderam foram maravilhosos, mas a situação toda foi muito ruim. Nunca gostei de hospital, agulhas, etc. E eu tinha ficado muito doente. Na minha primeira internação eu fiquei completamente dependente. Não conseguia nem segurar os talheres para comer sozinha. Não conseguia ler porque não enxergava direito. Não conseguia caminhar porque minhas pernas não tinham forças para me carregar. Me sentia muito sozinha, e sentia que eu era um peso pra minha família. Mas eles foram os únicos que ficaram ao meu lado o tempo todo. Nesses momentos a gente descobre quem é que ama a gente de verdade.
M&S - Como fica a família nestes momentos?
BS - Tenho uma família fantástica e muito amor na minha casa. Claro, algumas pessoas não são fortes o suficiente para passar por dificuldades e fogem, mas o que importa são os que ficam. Virar um bebê depois de adulto, não é muito fácil não. A dependência incomoda muito. Eu sei que minha mãe sempre cuidou (e continua cuidando) de mim com muito amor. Mas eu me sentia (e ainda me sinto, quando fico muito doente) um peso na vida daqueles que me amam. Eu sei que dou um trabalho danado para eles. Mas passar por tudo que passei sem minha família é algo inimaginável. Ter uma família que entenda o que é a EM, quais são as necessidades do portador, é essencial pro sucesso do tratamento e recuperação do portador de EM. A EM não muda apenas a vida do doente, mas de toda a família e de quem convive com ela. As rotinas mudam, as necessidades diárias mudam, os cuidados são diferentes. Todos devem estar preparados emocionalmente para conviver com a EM da melhor forma possível.

M&S - Quando surgiu a ideia do blog?
BS - Logo que descobri a doença, fiz o que todo mundo faz hoje em dia: coloquei o nome da doença no Google e fui ler o que tinha por lá. Fiquei apavorada. Era quase que uma sentença de morte o que tinha naqueles textos. Aquilo me incomodou muito. Mas na época não tinha essa facilidade de blog e tal. E eu também não tinha maturidade suficiente para contar histórias tão íntimas minhas, afinal, as pessoas julgam você sempre, e quando você se expõe num blog, está sujeito a todo tipo de julgamento. Tudo começou com o Orkut. Existem diversas comunidades sobre EM no Orkut e eu participava de algumas. Vi que eu sabia responder a maioria das dúvidas das outras pessoas. E algumas pessoas me perguntavam: porque tu não faz um blog? No início eu pensava que seria difícil falar da doença todo dia. Pensava que ter de escrever sobre ela todos os dias podia ser um processo doloroso. Mas era bobagem, afinal, a EM está comigo 24h por dia todos os dias. Os sintomas e as dores não somem só porque eu não falo nelas. E também pensei: se quando eu descobri a doença existisse um blog em que um portador de EM contasse suas histórias do dia-a-dia, seria tão mais fácil. Teria evitado algum sofrimento. Aí vi que, se ninguém tinha feito esse diário de bordo para quem embarcava na vida com EM, esse alguém podia ser eu. Já tinha uma coleção de histórias para contar, e como a EM está comigo sempre, as histórias só aumentam. O blog tem sido uma terapia para mim e tem ajudado pessoas que passam pelas mesmas coisas que eu. É bom saber que não se está sozinho no mundo. E também ajuda os familiares de portadores de EM a entender o que eles estão passando. Porque nem todo esclerosado fala pelos cotovelos e não tem vergonha de falar sobre a doença como eu.

M&S - Qual a contribuição dos leitores?
BS - Muitos dos posts são ideias de leitores do blog, que mandam suas dúvidas e sugestões por e-mail. Hoje o blog tem uma média de cem acessos diários, de gente do mundo todo. Fico feliz, porque fiz o blog também com a intenção de divulgar o que é esclerose múltipla. Sonho com o dia em que quando eu falar que tenho EM as pessoas me olhem normalmente, por saber do que se trata e saber que não sou nenhum tipo de extraterrestre. Mas para isso acontecer, eu e outras pessoas com EM tem que falar ao mundo que tem EM e o que é a EM. A ignorância e o preconceito acabam quando as pessoas entendem o que é a doença. Não falar sobre a doença, muitas vezes é um comportamento prejudicial ao portador. Afinal, como é que os outros vão entender o que é a doença e como nos sentimos se não falarmos disso? Como é um diário, conto as coisas a partir do meu ponto de vista, que nem sempre é agradável, doce e "cor de rosa". Eu sou muito otimista e prefiro ver o lado bom das coisas, afinal, lamentar ou chorar não vai me curar de nada. Então, acho melhor fazer piada, ter bom humor e tirar o que há de bom de cada situação. Mas também sou muito realista, e a realidade às vezes é dura. O blog é a minha vida como ela é.


Em tempo: hoje, minha prima caçula, querida, que eu amo demais, está fazendo 15 anos. Como o tempo passa. A indiazinha aí do lado com um bebê no colo sou eu com ela no colo, há uns 15 anos. Muitas felicidades Luana!

4 comentários:

  1. Excelente,bela explanação de diagnóstico.Bruna,sou mãe do Fabio L.,foi teu colega no Garra e sou tia do Igor Riffel,tbém participo na Assoção EM de PF,espero encontrá-la pesslmte,abrços

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  2. Muito bom Bruninha é uma delícia ser entrevistada né?
    Vi que nosso objetivo de divulgar a EM está melhorando mas ainda não chegamos lá né?
    Espero que um dia a gente consiga isso!
    Força pra você aí.
    Bjão
    Fabi

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  3. Deby, lembro dos dois. Estou indo pra Porto Alegre, mas até março estou aqui. Podemos nos "achar" por aí.
    Também gostei do resultado da entrevisa. Acho que o objetivo de divulgar está sendo cumprido aos poucos.
    Bjs

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  4. Excelente sua entrevista amiga!
    As poucos as pessoas estão começando o entender o que se passa com a gente, nossas limitações, nossos anseios. Nada como a informação pra que isso aconteça. E vc está de parabéns pela iniciativa do blog, que além de informar dá muita força pra portadores e pessoas que convivem com a EM.
    Bjos!

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