domingo, 30 de dezembro de 2018

O tratamento não é só sobre você



Oi gente, tudo bem?
Bom, hoje quero comentar um pouco sobre o novo tratamento do Jota e como eu me sinto com isso. Para quem não sabe, o Jota tem EM primária progressiva. Isso quer dizer que até basicamente ontem não tinha tratamento pra ele. Ele chegou a testar os remédios indicados para outros tipos de EM, sem sucesso.
Em fevereiro desse ano o Ocrevus foi aprovado no Brasil, em maio ganhou preço e foi aí que entramos com uma ação judicial para ter o remédio. Esperamos que logo ele seja disponibilizado pelo SUS, mas como a EM do Jota já está num estágio avançado demais até  mesmo para esse medicamento, resolvemos começar o mais rápido que desse.
Estamos gravando vídeos para contar sobre com tem sido as reações e vocês podem conferir no Youtube. Porque aqui eu quero escrever sobre outros aspectos, que não falamos lá.
Em poucos dias vimos algumas diferenças, como uma mobilidade melhor do braço. Se é real ou efeito placebo, não sei, só sei que chorei de alegria quando consegui abrir o braço esquerdo dele na hora do banho. Só eu sei a força que era necessária para lavar em baixo do braço. Fora isso, o medicamento parece ter dado um novo fôlego pra gente.
Como a maioria de vocês sabem, o Jota está dependente fisicamente pra tudo, usa cadeira de rodas motorizada para se locomover, ou seja, a deficiência física está num estágio bem avançado. E, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, deficiência na vida real não é que nem as de novela, que a pessoa adquire, “aprende alguma lição com ela” e aí se cura.
A gente até já falou pro universo que aprendemos bastante com a deficiência dele e que ok, ele pode voltar a ter uma mobilidade melhor já que já aprendeu a reclamar menos, a entender que na vida nada é garantido, a aproveitar um dia de cada vez, que tudo bem pedir ajuda, que a vida pode ser feliz sendo diferente daquilo que se tinha imaginado, que tudo é adaptável e outros inúmeros aprendizados. Mas, pasmem, não é assim que funciona. A deficiência continua ali.
Então, ter um tratamento possível, mesmo que seja para que não haja mais perdas funcionais, é algo bem importante. A saúde mental e emocional melhoram quando o nível de esperança aumenta. Nesse sentido, esse tratamento tem sido um gás pra gente.
E eu digo pra gente porque eu sei que o diagnóstico, a vivência da doença não é algo que se passa sozinho. Por mais que a dor, os sintomas, os medos sejam muito mais nossos, de quem tem a doença na pele, nossas famílias sentem tanto quanto, senão mais, o que é ter a doença. E aí eu e o Jota tivemos um pequeno desentendimento antes da segunda dose do remédio, semana passada.
Era pra ele fazer a medicação 15 dias depois da primeira. Passou 14 dias, o hospital não tinha leito. 15, e não tinha leito. Quando chegou no 16, estávamos às vésperas do aniversário do Francisco, o pai do Jota ia chegar pra visitar e ele disse: vou ver com a médica se tudo bem atrasar mais e eu fazer semana que vem, porque se o hospital me chamar só amanhã EU NÃO VOU!
Eu perguntei: como assim não vai? E ele, enfático: NÃO VOU!
Aquilo bateu em mim com a força de um soco no estômago e um rasgo no coração. Na hora eu não quis discutir. Tinha pessoas demais em volta. Mas depois eu falei pra ele, que esse tratamento não era só pra ele. Que as coisas, afinal de contas, não eram somente sobre o que ele desejava. Eu sei quantas festas de família, férias, viagens etc. deixei de fazer por conta de tratamento. Tudo porque o tratamento, cuidar de mim, não é só sobre mim. É sobre todos que me amam, me acompanham e estão comigo nessa jornada. E apesar de ser tentador essa atitude egoísta de dizer “é a minha vida, eu que decido”, bem, pode até ser, se você quiser realmente passar por tudo isso sozinho.
Foi tenso, foi difícil, foi doloroso falar sobre isso. Acabamos concordando que sim, ele faria no dia que fosse. E acabou que foi na manhã do dia seguinte e deu tudo certo.
Tudo isso pra dizer que talvez, eu, como esposa, cuidadora, amiga, seja um pouco egoísta querendo que ele pense em mim, no Francisco, em todos nós quando pensa no tratamento. Talvez ele tenha sido egoísta ao não querer fazer algo de um jeito diferente do que tinha sido planejado e decidido isso sozinho. Talvez eu tenha sido exigente demais. Talvez ele não tenha medido as consequências e responsabilidades direito. Fato é que, assim como ele fez parte da decisão da amamentação e da volta do meu tratamento, porque a minha vida e meu cuidado não dizem respeito só a mim; é importante pra mim que ele entenda que o tratamento dele não é só sobre ele. Claro que no fim das contas a gente pode fazer apenas o que quer e ponto final, mas isso pode acabar minando relações e acabando com nossas redes de cuidados.
E isso de falar que “nem tudo é só sobre você” é uma forma de dizer que não, você não é o centro do universo, mas também de dizer que sim, você é muito importante para mim nesse universo.
Até mais
 Bjs


Em tempo: depois de escrever esse texto me caiu nas mãos um exemplar do Pequeno Príncipe... e por mais irritante que possa parecer essa afirmação, ela está correta: tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas!

Em tempo 2: olha nosso vídeo sobre a segunda dose do Ocrevus e não perca nenhum vídeo nosso no Youtube se inscrevendo no canal:

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Quem sabe um dia...


Oi gente, tudo bem?
No último mês viajei duas vezes pra São Paulo. A primeira pra gravar um Roda Viva sobre esclerose múltipla (deve ir ao ar em 2019) e a segunda pro FAS2018 (se liguem, tem todos os anos e é um evento gratuito). E mais uma vez me deparei com um sentimento bastante ambíguo dentro de mim.
Eu não sei ao certo que nome dar a isso. Mas quando eu vejo uma família saindo viajar com os filhos, me emociono profundamente e sinto uma espécie de dor no estômago que não sei explicar. Tem vezes que não consigo segurar e acabo deixando uma ou duas lágrimas rolarem.
É um desejo interno de poder fazer isso, mesmo sabendo que isso não é para mim. Eu sei, vocês vão dizer que é só levar mais pessoas, uma rede que ajude na viagem, assim dá pra sair eu, Jota e Francisco. Mas, sinceramente, se tiver mais gente, já não é só nós, não acham?
Eu fico olhando aqueles pais com os filhos no colo, saindo de férias e me dói saber que eu não posso chegar em casa e dizer: amor, vamos pra praia uns dias com o Chico?
Nessa última vez eu estava sentada esperando ser chamada pro vôo e uma família sentou do meu lado. Mãe, pai e os dois filhos. O mais velho de uns 4 anos e o mais novo de no máximo 2. Fiquei pensando no nosso “plano inicial” de engravidar quando o Chico tivesse uns dois anos. Aí o pai das crianças disse: espera aí, só vou no banheiro e já volto. Eu, que estava na minha viagem mental imaginando se eu não conseguiria mesmo levar meus dois meninos pra uma viagem, fui trazida pra realidade: se o Jota precisasse ir ao banheiro, quem ficaria com o Francisco?
É...não seria nada fácil. E aí, entre a expectativa de uma viagem prazerosa e a realidade de um passeio exaustivo e até mesmo traumático, pensei que ainda não. Quem sabe quando Francisco for maior. Quem sabe quando ele for maior também para pensarmos em outro bebê.
Toda vez que isso acontece fico muito tempo pensando sobre esse sentimento. E muitas vezes me culpo por sentir isso. Penso no quanto sou feliz com a família que tenho. E que nós só somos quem somos porque temos nossas diferenças. Porque aprendemos com essas limitações do corpo e transformamos o impossível do corpo no possível da mente e do coração. E é por isso que seguimos em frente, mesmo nos dias difíceis, que não são poucos. Mas mesmo com todo esse amor, mesmo com toda gratidão que tenho pelas nossas vidas e nosso modo de ser, continuo sentindo isso em toda sala de embarque.
Não sei se isso é errado. Não sei se existe errado e certo na verdade. Mas é verdade também que sempre fico na esperança de um dia podermos fazer isso, sair em família prumas férias juntos. Seja porque o mundo vai ser mais inclusivo, seja porque o Jota poderá estar em uma melhor condição física, seja porque o Chico vai me ajudar, seja porque eu vou ser mais corajosa, mais forte. Quem sabe, um dia...
Até mais
Bjs

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Entre o que posso e o que quero

Oi gente, tudo bem?
São tantos textos dentro de mim, que mal sei por onde começar.
A verdade é que tenho feito muitas coisas daquela lista “que precisam ser feitas” e não tanto aquelas que eu quero/gosto de fazer. Isso tem me deixado cansada. Extremamente cansada. Uma delas é escrever.
Eu já disse zilhões de vezes isso, e até escrevi uma tese sobre isso, sobre o quanto escrever é terapêutico. É na escrita que eu organizo meus pensamentos e sentimentos. É na escrita que eu me analiso, me julgo e me perdoo. É a escrita que me liberta.
Mas o tempo livre tem sido escasso. Quer dizer, tempo é questão de preferência, sim... mas eu tenho tido que dar preferência às urgências. E, tudo bem, porque alguém precisa fazê-las. Mas, nesse processo, tenho me afogado em ideias, anseios e palavras.
Então resolvi tentar voltar a escrever. Em que hora? Bem, vocês nunca ouviram aquela pergunta: mas o que você faz entre a meia noite e as 5 da manhã? Quase isso. Vou tentar reservar esse tempo depois que eu coloco o Chico dormir, tomo meu banho e como alguma coisa para escrever.
Já consegui, com muito custo, voltar a ter meu tempo de leitura. É raro e curto, mas já consegui ler alguns livros nos últimos dias.
Eu tenho uma pouco a impressão que, depois de me tornar mãe, além de uma grande gestora da casa, me tornei uma melhor gestora do tempo.
Quando eu paro e penso na minha vida pré-maternidade, fico tentando lembrar o que eu fazia nesse tempo que hoje eu uso, diariamente, para cuidar do Chico, cozinhar, lavar fralda, trocar fralda, brincar, passear na pracinha, fazer mamadeira, contar historinha, colocar pra dormir. É muito tempo diário. Então, ou eu não fazia nada ou eu não sabia gerenciar meu tempo. Porque hoje eu faço tudo isso e ainda o que eu fazia antes: trabalhar, ler... menos escrever, que está mais complicado, por enquanto.
Cheguei a conclusão que eu devia ser péssima nesse negócio de gerenciar o tempo. Não é possível! Eu tinha, ao que tudo indica hoje, muito, muito tempo livre. E não me parece que eu era mais dedicada no trabalho ou coisas do gênero. Sei lá... acho que via filmes demais, talvez.
Fato é que a maternidade traz mais responsabilidades, mais tarefas, mais cabelos brancos, mais sorrisos diários, mais alegria pros meus dias e mais dúvidas sobre o que fazer da vida, agora que uma vida inteirinha depende de mim.
Agora, falando sério, se você quiser contratar alguém responsável e que sabe gerenciar tempo para a sua empresa, contrate uma mãe. Porque mães dão um jeito, quase mágico, de deixar tudo pronto no tempo certo. Eu acho mágico, porque não acho que eu tinha essa capacidade antes da maternidade.
É verdade que tem dias que é desesperador. Que tem dias que a gente mal come, mal dorme, mal se olha no espelho. Que tem dias que a gente pede colo pra mãe e pergunta: será que vai dar? Será que eu consigo? Como tu conseguiu fazer tudo mãe? E a gente chora junto e segue em frente. E tem dias que a gente olha pro marido e sente um tipo de inveja, na falta de nome melhor, do privilégio dele não ter essa responsabilidade toda. E chora por se sentir culpada por sentir isso, principalmente porque no meu caso não é uma escolha dele.
Sim, tem dias que eu fico tão exausta que eu nem sei direito se eu choro ou brigo com alguém. Normalmente quem me ouve nesses dias são minha mãe, o Jota, ou o bichinho de pelúcia do quarto do Francisco.
Dia desses eu me senti sozinha numa conversa dessas com o Jota. Porque ao falar que eu me sentia sozinha nesse processo ele disse que eu estava sendo ingrata. Mas, sabe, se sentir cansada e sozinha não é exatamente não reconhecer que outras pessoas estão se esforçando pra me ajudar. É simplesmente se sentir assim. E ponto final. Sem julgamentos sobre o que os outros poderiam fazer. Sem achar que o mundo é injusto. Sem pensar que a maternidade é um fardo.
Tudo bem, no final ele entendeu meu ponto de vista. Mas pra mim, que já estava exausta, ter que justificar meus sentimentos foi um processo doloroso.
E aí, vem mais um clichê da maternidade: talvez, só outra mãe consiga entender verdadeiramente isso que eu sinto as vezes. Isso não é desmerecer quem não é, seja porque não quer, seja porque ainda não teve filhos. É simplesmente porque é diferente. Como ter esclerose múltipla. Mesmo sabendo que as pessoas se esforçam pra entender o que é ter essa doença, eu jamais espero que, alguém que não tenha, entenda o que eu passo.
Espero poder, dessa vez, manter essa promessa que estou fazendo pra mim mesma, de colocar pra fora, em textos, o que está transbordando em mim. Espero ter vocês como companhia.
Até mais
Bjs

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O que nos move é a esperança


Oi pessoal, tudo bem? Primeiramente, #EleNão.
Bom, no mês passado escrevi um texto que eu gostei muito e que foi publicado na revista Contato Vip, uma revista regional de Carazinho (cidade onde nasci) e região. Pois hoje eu trago pra vocês esse brevíssimo resumo da minha vida com EM. Espero que gostem como eu gostei de escrever e de ver publicado nessas páginas tão bem diagramada com as nossas imagens:


“Oi pessoal, tudo bem com vocês?”, é com essa frase que eu costumo começar meus textos no blog onde conto minha vida com Esclerose Múltipla desde 2009. A Esclerose Múltipla é uma doença autoimune, do sistema nervoso central, que pode trazer inúmeros sintomas e deixar sequelas. Se apresenta de forma diferente em diferentes corpos. Mas uma coisa é certa, independente da pessoa, ela exige muito de nós que a carregamos todos os dias. Eu tenho EM desde meus 14 anos e agora, com 32, já tenho mais tempo de vida com do que sem ela. Ou seja, me parece já impossível falar de mim sem falar dela.
O meu diagnóstico foi relativamente rápido. Enquanto a maioria das pessoas demora em torno de cinco anos indo de médico em médico atrás de uma resposta sobre seus formigamentos, dores, falta de equilíbrio, problemas de visão etc., quando eu tive um formigamento no braço direito fui logo encaminhada a um neurologista que, em seis meses, fechou meu diagnóstico. De lá para cá foram muitos surtos. A doença me fez experimentar a dependência total, quando me tirou os movimentos, o equilíbrio e a visão. E me fez conhecer a gratidão por ter pessoas que cuidassem de mim nesses momentos.
Quando comecei a escrever publicamente sobre EM eu já tinha quase dez anos de doença e já tinha aprendido bastante sobre ela, mas, mais ainda, sobre mim; e não imaginava o quanto de vida haveria nesse blog, o quanto de conquistas haveria nessa vida e quantas coisas bacanas surgiriam por conta, não do que a esclerose fez comigo mas, de como eu resolvi lidar e o que eu fiz com ela. Resumindo, a forma que eu decidi encarar a doença ainda me renderia muito trabalho, uma tese de doutorado, amigos e amigas que são como irmãos e irmãs e, o melhor de tudo, a cobertura de chocolate (porque eu não sou fã de cereja) do bolo, uma família linda de viver!
Foi em novembro de 2012 que eu recebi um email que começava assim: “Olá, Bruna, tudo bem? Prazer! Quando em fevereiro eu recebi o primeiro diagnóstico de suspeita de esclerose múltipla, eu achei seu blog e li algumas coisas...”. Um email normal, como dezenas de e-mails que recebo diariamente no blog. Mas esse foi diferente e, como não sabemos explicar porque, dizemos que foi pelo destino. Alguns muitos e-mails depois nos conhecemos pessoalmente em São Paulo, e, no dia em que eu o conheci, tive vontade de pegar na mão, de dar um abraço que parecia guardado há milênios. Esse abraço só foi dado uma semana depois, junto com um cafuné e o primeiro beijo. Desde então, eu sou a Bruna do Jota e ele é o Jota da Bruna.
Desde esse encontro em 2013, a EM passou a se apresentar em nossos corpos de forma diferente. Enquanto a minha se tornava mais silenciosa, a dele, que é um tipo progressivo de EM evoluiu de forma rápida e devastadora. Da bengala para a muleta, da muleta para o andador, do andador para a cadeira de rodas. De um jovem independente para alguém que depende para tudo. Decidimos juntar os trapos e morar em Porto Alegre e compramos um apartamento que se tornou nosso lar. Foi uma trajetória que exigiu de nós dois mais do que o amor que temos um pelo outro, mas perseverança de seguir em frente quando tudo parecia desabar, esperança quando parecia que o poço não tinha fundo pra chegar e gratidão, por todas as pessoas que nos acompanham e que fazem do nosso dia a dia mais tranquilo. Foram muitas lágrimas para fazer o Jota ver que a vida tem o sentido que damos a ela e que o que importa não é o fim, mas o caminho e como trilhamos por ele.
Ter o diagnóstico de EM não é fácil pra ninguém. Amar alguém com EM também não é nada fácil. Porque nos sentimos impotentes, muitas vezes. E o fato de eu ter EM não fez com que isso fosse diferente. Mas a EM foi o que nos apresentou; passar pelos perrengues dela foi o que nos uniu e nos provou que a vida é bem maior que a doença; e foi vivendo com ela e sendo felizes juntos que decidimos que mais alguém tinha que chegar para alegrar nossas vidas. Assim Francisco foi desejado, planejado e veio ao mundo lindamente. Aprendemos com ele a ver o mundo com mais encanto e a tentar de novo diversas vezes quando não conseguimos algo de primeira. É assim que os bebês fazem. Foi assim que aprendemos quando éramos pequenos. É assim que nosso pequeno tem aprendido o mundo; e tem nos ensinado diariamente a ver as coisas por outra perspectiva também.
Às vezes nos perguntam se não dá medo criar um filho sabendo que nós dois temos EM e estamos suscetíveis a piorar a qualquer momento. Lógico que dá! Mas o que nos move não é o medo, e sim a esperança. O que nos move é a vontade de ver esse menino crescer e se tornar uma pessoa boa para o mundo e não as lágrimas pelo que não podemos fazer ou pelo que parece nos ter sido tirado pela doença. O corpo tem sim limitações físicas. Muitas delas bastante difíceis de conviver no dia a dia. Mas vamos negociando com elas, adaptando as atividades, porque nossos sonhos não são limitados e nossas vidas são feitas daquilo que nos sobra e não do que nos falta!


quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Louca das listas


Oi pessoal, tudo bem com vocês?
Por aqui tudo bem...só essa imensa saudade de conseguir sentar na frente do computador e conseguir escrever pelo menos uma vez por semana.
Não posso reclamar da vida. Tenho-a vivida intensamente. Aproveito cada segundo de um dia de sol para brincar com meu filho na pracinha. E cada minuto que tem alguém pra cuidar dele, aproveito para trabalhar, porque afinal, ser adulto é também pagar boleto. Mas, tudo bem, porque eu mais vivo do que pago boleto. A hora que isso se inverter é que ficaria complicado.
Hoje, por exemplo, era para eu aproveitar esse tempo e escrever um projeto de pesquisa para um concurso docente. Mas procurando alguns dados no meu celular, me deparei com a listinha de textos que fui pensando aqui pro blog e anotando no meu bloco de notas e resolvi compartilhar com vocês. Talvez alguns tópicos só façam sentido pra mim mesma, mas vou deixar aqui, como uma espécie de promessa e cobrança para euzinha própria:
1. Simpósio de EM em Santa Maria - minhas impressões
2. Casa da EM em São Paulo - minhas impressões
3. Gravação com Dr. Drauzio Varela - minhas impressões
4. Gestão de tempo materna esclerosada (esse, como vocês bem sabem, tá difícil)
5. Wanderlust e maternidade
6. Desafio AME de escrever biografia no insta
7. Almoço de graça
8. Faça porque é bom e te faz feliz
9. Paternidade ativa
10. Cartas pessoais achadas no baú
11. Ser reconhecida por ter EM
12. Tudo bem ser mais ou menos
13. É preciso se desligar (isso eu tenho feito com primazia)
14. Falta de espontaneidade
15. Desespero dos recém diagnosticados
16. O que ou quem é o Jota pra mim
17. Experiência de ser o objeto de pesquisa de alguém
18. Porque não escrevo triste

Ufa... temos aí, pelo menos 18 textos pela frente. Isso se algum outro tema não entrar na frente atropelando tudo.
Quem me conhece mais de perto sabe que eu sou a louca das listas e que, só de escrever o que eu tenho que fazer já me alivio um pouco. (Sim, sou daquelas que tem mil tipos de planners, bujo e tudo mais que a papelaria pode oferecer. Só não tenho mais porque o $$ não permite). Agora espero poder aliviar minha cabeça e meu coração a cada textinho que for escrevendo desses temas aí.
E você, quer ler sobre o que? O que você acha que eu posso escrever e que vai nos ajudar aí nas nossas vidas?
Até mais!
Bjs

sábado, 26 de maio de 2018

Divagações maternas

Momento de tranquilidade em um dia nada
tranquilo.
Oi pessoal, tudo bem?
Há algum tempo venho pensado mais sobre a maternidade do que a esclerose. Mas sempre que penso na minha forma de ser mãe e de como encaro a vida, a EM está ali, o tempo todo.
Fato é que ser mãe me transformou. Não mudou minha forma de ver a vida e as prioridades, apenas acentuou algumas crenças que eu já tinha. A de que as relações de amor da minha vida são prioridades sempre é uma delas. E por isso, em semanas como as que se passaram e que eu pouco produzi enquanto profissional, não me sinto culpada, porque sei que estou exercendo meu maior e mais importante trabalho da forma que eu escolhi: ser mãe.
Mas não e só na minha maternidade que tenho pensado. Tenho pensado nessa coisa de ser mãe e filha de um modo mais geral.
Há alguns meses uma menina (menina mesmo, com seus vinte aninhos) me procurou porque estava com suspeita de ter esclerose múltipla. Além de apreensiva com o futuro, ela estava um pouco chateada com sua mãe, que se mostrava em desespero frente à possível doença. Ela queria que a mãe fosse mais "controlada", mais compreensiva e desse o colo que ela precisava no momento. Claro que eu entendo ela, mas a perguntei: e quem é que está carregando a tua mãe no colo agora?
A gente exige das nossas mães que sejam nossos portos seguros, mas esquecemos que elas são tão humanas quanto nós e que precisam de alguém que diga "vai ficar tudo bem". E esse alguém, muitas vezes serão nós, suas filhas e filhos. Porque maternidade não é só doação, é parceria também. Principalmente quando os filhos crescem e já tem maturidade pra entender isso. Se bem que, como dizem nossas avós, tem coisas que você só vai entender quando for mãe.
E é a mais pura verdade. A gente só entende essa doação total de tempo, amor, carinho e vida quando tem um filho. A gente só entende a renúncia de si mesmo quando se é mãe. E isso não tem nada de ruim ou de absurdo. Ser mãe em muitos momentos é isso mesmo, é ser pro outro.
Aí você pode perguntar: mas você, toda feminista, não acha isso errado? Não! Acho que é isso mesmo e não precisa de muita explicação.
Há pouco tempo também participei da despedida de uma grande amiga e de sua mãe. Como toda despedida, foi triste e carregada de emoção. Mas o que me doeu lá dentro foi ouvir minha amada amiga dizer "mãe, pra quem eu vou perguntar as coisas agora?".
Quando nasce um filho não apenas nasce uma mãe, mas nasce com ela o medo de deixar esse filho. Até o nascimento do Francisco, meu maior medo na vida era o de não ter minha mãe por perto. Por mais que saibamos que todos um dia vamos morrer, independente da crença que temos sobre o que acontece depois, não queremos que aqueles que são importantes para nós morram. Eu lembro de chorar quando era pequena imaginando como seria se eu não tivesse minha mãe. E ficava ali, chorando baixinho embaixo das cobertas, por aquela menina que não teria pra quem perguntar as coisas.
Quando o Francisco nasceu meu medo mudou. Meu medo passou a ser aquele que até então eu não tinha. O medo de morrer. Medo de deixar aquele serzinho tão pequeno, tão indefeso sozinho. E depois que crescem, continuam precisando da gente, pra responder até mesmo as coisas que o google responder, simplesmente porque somos suas mães.
Pois bem, semana passada me vi com o Francisco nos braços, gemendo por mal conseguir respirar e olhava pra mim com um olhar de dor, como que pedindo "mãe, o que tá acontecendo?". Esqueci que eu mesma estava com febre e com dor e fui com ele pro hospital. Diagnóstico: crise aguda de bronquiolite. A primeira de muitas vezes em que ele ficará doente. Passamos o dia com ele no oxigênio (que inferno deixar aquele caninho no nariz dele), aspirando e tomando remédios até que no final da tarde pudemos vir pra casa, já bem melhor.
Nos corredores do hospital as pessoas diziam "a gente preferia que fosse com a gente né?". Eu confesso que concordava pra não aumentar a conversa. Mas, sinceramente, não sinto isso. Não senti em nenhum momento que eu deveria passar pelo que ele estava passando. Eu senti sim que eu deveria estar ali, o tempo todo, sendo seu porto seguro e dizendo pra ele que tudo ia ficar bem. Eu acho que a gente não tem que passar pelas dores que são dos nossos filhos. Talvez isso me faça uma mãe estranha...sei lá...
Durante o dia, enquanto ele dormia depois de conseguir respirar melhor, eu continuava cantando nossas musiquinhas. Vez ou outra ele abria os olhos, tentava tirar o oxigênio, sorria pra mim e continuava dormindo. Eu estava tranquila, minhas duas mães (minha mãe e minha tia) estavam na sala de espera pra me apoiar e cuidar de mim também. Olhando pra ele eu dizia: vai ficar bem meu amor, a mãe promete.
Na verdade, bem na verdade, a gente não pode prometer essas coisas né? Afinal, as coisas podem piorar. A gente pode não estar mais aqui logo ali em frente. E o que a gente achava que era ficar bem parece só piorar. Mas ainda assim eu prometo isso pro meu filho, porque quero que ele aprenda que as coisas ruins e difíceis fazem parte, mas que nunca estamos sozinhos pra passar por elas e que, logo ali na frente vemos que somos maiores que qualquer adversidade.
Quando os médicos me explicaram que ele pode desenvolver alguma doença respiratória como asma ou bronquite eu só pensava, ok, mais uma coisa pra gente aprender a lidar. Uma das médicas veio me elogiar pela minha serenidade enquanto eles faziam os procedimentos com ele gritando, pela minha tranquilidade sabendo que meu filho não estava bem. Eu disse a ela que só sabia ser assim, e que eu tinha tido uma boa escola em casa.
Não sei quantas vezes minha mãe chorou sozinha embaixo das cobertas com medo de deixar a mim e minha irmã sem respostas. Nem quantas vezes as lágrimas se misturaram à água do banho por não saber como ser força pras filhas que não estavam bem e precisavam de colo. Mas agora, sendo mãe, entendo um pouco melhor ela, minha avó, minha tia e todas as mulheres mães que me precederam.
Assim como ter esclerose me trouxe conhecimentos e atitudes que sem ela eu não poderia sem imaginar ter, a maternidade também faz isso com a gente. Por mais irritante que essa frase soe, tem coisas sobre a vida que só quem é mãe entende. E isso não desmerece quem não é e não quer ser. Só quer dizer que, bem, ser mãe é algo incrível, extraordinário e inexplicável. Só se sente e ponto final.
Até mais
Bjs

Em tempo: Lúcia, no fundo, a gente carrega nossas mães com a gente, e acho que é isso que faz com que sejamos tão parecidas com elas quando nos tornamos mães. Então, quando tiver aquela pergunta que só tua mãe poderia te responder, pergunta, que ela vai te responder, aí dentro de ti.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Pare, fale mas ouça também

Tá ou não tá uma gostosura esse gurizinho?

Oi pessoal, tudo bem com vocês?
Por aqui tudo bem. Francisco crescendo lindamente e eu me ocupando quase 24h por dia admirando esse crescimento e aprendizado que não é só dele, mas de todos nós que convivemos com ele.
Voltei semana passada de uma viagem linda à Natal. Fomos passar uma semana de férias, eu, minha mãe, minha irmã e Francisco. É sempre bom ficar desligado do trabalho, dos afazeres da casa, das responsabilidades diárias e se preocupar apenas em acordar, dormir, comer e ver qual vai ser o passeio do dia. Foi lindo ver as descobertas do Francisco com o mar, a areia (no ano passado ele brincou pouco, tinha apenas 5 meses), os animais (ele ficou encanado com a tartaruga no aquário e quase morremos pra tirar ele de cima de um jegue num passeio), as pessoas. E cada vez que eu vou à praia volto tendo a certeza que nasci no lugar errado. Eu sou do mar gente, certeza disso!
Mas voltando pra vida real, antes de viajar eu estava me sentindo muito cansada. A fadiga voltou a fazer parte dos meus dias e com ela alguns sintomas como formigamento no nariz em dias de muito cansaço. Estava até assustada pensando num possível surto. Mas como na praia não senti nada disso, percebi que é uma questão de descansar mais.
Mas aí, eu pergunto pra vocês, como faz pra descansar tendo um filho pequeno pra cuidar? Quem não tem filho talvez não saiba, mas a rotina de uma mãe é organizada pelos horários de sono, fome, fralda e brincadeiras da criança. Mesmo dividindo algumas tarefas com a família, a responsabilidade maior aqui em casa é comigo. E acredito que na casa da maioria das famílias seja assim também.
E aí vem aquele sentimento de algumas coisas que parecem faltar pra gente. Tem dias que eu sinto muita falta de escrever. Porque escrever pra mim sempre foi uma terapia. Mas de tanto não conseguir sentar pra escrever o que meu coração quer, estava me convencendo de que era bobagem. Comecei a questionar minha capacidade em escrever bons textos. E também fiquei pensando: pra que escrever mesmo? Tem tanta gente escrevendo sobre esclerose...tanta gente escrevendo sobre maternidade... tanta gente escrevendo sobre vida acadêmica... pra que eu vou ser mais uma pessoa escrevendo sobre essas coisas?
O Jota me lembrou algo que eu disse há alguns meses pra uma amiga que voltou a escrever sobre EM (força Marina!), que eu não deveria escrever porque os outros vão ler e concordar ou discordar, mas escrever porque é bom pra mim. Isso ficou martelando na minha cabeça. Afinal, não fui eu que escrevi uma tese de doutorado falando o quanto escrever tem um potencial curativo? Não curativo da doença física, mas de sentir-se melhor consigo mesmo.
Não por acaso, porque eu não acredito em acaso, recebi alguns emails nos últimos dias de pessoas que estão descobrindo a EM e leram meu blog nos últimos dias. É bem legal receber mensagens assim, porque dá um gás pra continuar escrevendo. No meu caso, deu um gás pra eu voltar a sentar na frente do computador e escrever livremente, sem medo de que as pessoas concordem ou não com o que eu digo. Obrigada a todos e todas que me escreveram nos últimos dias, os emails e mensagens de vocês foi de fundamental importância para eu organizar um calendário de posts novo e pensar em novos vídeos para o canal (será gravado amanhã, sem falta).
Escrever exige vontade e disciplina, mas também tempo. E nesse mês das mães, vendo os comerciais lindos (de chorar mesmo) sobre maternidade, eu me emociono mas também me pergunto quem apoia as mães para que elas possam ser elas mesmas e possam ser apoio e exemplo para os filhos. Eu confesso e abro meu coraçãozinho e intimidade da minha família pra dizer que ontem à noite tive uma séria conversa com o Jota sobre isso. Porque eu cresci ouvindo que eu sou foda, que eu sou capaz de tudo, que eu sou forte, que eu sou guerreira. Só que chega uma hora que a gente cansa e não quer ser a super mulher que os outros desenham. Eu me sinto mal porque eu sei que se dependesse da vontade dele a coparentalidade seria uma super realidade aqui em casa. Mas o corpo físico e a EM dele não permitem isso. E eu me sinto uma megera por falar pra ele como eu me sinto cansada sabendo que ele vai se sentir mal por não poder fazer muita coisa. O que ele não sabe é que me escutar, dar o peito pra eu deitar e secar minhas lágrimas já é bastante coisa. Às vezes o que uma mulher-mãe cansada quer é apenas falar o que incomoda, sem julgamentos e sem soluções mesmo. Só ser ouvida.
Eu sei, o texto de hoje virou uma miscelânea estranha. Desculpa. É que eu precisava recomeçar, mesmo sem um tema específico. Eu precisava falar. Sem ordem, sem início meio e fim. Às vezes é isso que a gente precisa. Escrever sem a pretensão de ser lida. Escrever pra esvaziar a mente e o coração.
Se alguém estiver lendo, obrigada por me acompanhar até aqui. Se eu puder dar um conselho pra você é: encontre alguém que te escute e, sempre que alguém te procurar para falar, escute essa também essa pessoa.
Até mais
Bjs

Em tempo: resgatei a leitura de um texto meu e continuo gostando dele: http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/search?q=porque+escrevo

domingo, 25 de março de 2018

Seminário Educação sem preconceito - Minha participação


Oi pessoal, tudo bem com vocês?
Sim, eu sei...prometi escrever mais e não tenho escrito. Mas, como dizem, a gente escreve mais quando se está triste, porque quando se está feliz, a gente vive...hehehe
Bem, estou muito bem mesmo. Tenho trabalhado bastante, participado de alguns eventos e isso me enche de alegria. Às vezes eu paro e penso em como eu tenho me tornado as pessoas que eu admiro. Quer dizer, sempre admirei mulheres que sobem num palco e falam com segurança de um assunto que dominam. E, de repente (tá...nem tão de repente assim), me vejo fazendo isso. Sem falsa modéstia, tenho me considerado um sucesso. E espero que esse sentimento permaneça comigo.
Um dos motivos para eu estar assim, felizona, foi eu ter sido indicada por duas queridas amiga (Fernanda e Vitória) para falar no Seminário Educação e Preconceito, que aconteceu na última quinta-feira na Assembleia Legislativa aqui do RS. Quando me dei por conta, eu tava lá, sentada no palco, ao lado de mulheres ma-ra-vi-lho-sas, com histórias de vida lindas, para representar as mulheres com deficiência naquele debate. A responsabilidade era muito grande e me senti absurdamente honrada com a indicação e a confiança. Saí de lá com o sentimento de esperança, além de ter recebido muitos abraços verdadeiros, daqueles que nos envolvem e transmitem amor, sabe?
Bem, quero compartilhar com vocês todas e todos, que não puderam estar presente, a minha fala. Preparei um texto para não me perder no momento e é esse texto (textão) que deixo hoje pra vocês. Espero que gostem, que se sintam representadas também. E quem tiver facebook, pode ver o Seminário na íntegra no facebook: (sugestão: pega um lencinho!)




Boa tarde a todas e todos, antes de tudo, gostaria de agradecer a oportunidade e dizer da honra que sinto em ocupar esse lugar hoje. Obrigada!
Bem, estou aqui como mulher, como mãe, como professora, como pessoa com deficiência para falar sobre educação sem preconceito. Confesso que não é fácil dizer em pouco tempo tudo que se tem a dizer sobre o tema preconceito, educação e deficiência. Mas tentarei falar, a partir da minha experiência enquanto mulher com deficiência e pesquisadora do campo, alguns tópicos que me parecem ser importantes.
O tema da inclusão da pessoa com deficiência em espaço escolar me surgiu muito cedo na vida. Mais precisamente quando eu tinha meus 7 anos e fui para a escola regular e minha irmã, com deficiência intelectual, foi para a escola especial. Certo dia ela perguntou para a minha mãe: mãe, porque eu não vou pra mesma escola da mana? E tem gente que acha que ela é bobinha... Eu com 7, ela com 9 anos, nos vimos diferentes pela primeira vez. A escola estava nos dizendo que não pertencíamos ao mesmo lugar. Minha mãe não se viu por vencida e lutou para que ela pudesse ir na mesma escola. A luta não foi totalmente em vão, mas na época, o máximo que conseguimos foi uma turma especial. Uma inclusão completamente excludente. Ouvi a minha própria professora dizendo no corredor da escola: “Deus me livre dar aula pros loquinhos”.
Anos depois, quando ela chegou da escola de artes com o olho roxo, tivemos de ouvir da direção da escola que o menino que bateu nela não tinha culpa, afinal, ela é quem não era adequada ao lugar. Quando um familiar um dia pediu pra ela, que não foi alfabetizada ler algo em uma embalagem na mesa do café, ela saiu correndo. Vi ela perguntar pra minha mãe porque as pessoas só gostam de quem sabe ler.
Pouco tempo depois, eu tive o diagnóstico de uma doença degenerativa, incurável e que causa diversas deficiências. Estava no ensino médio e fiquei muito tempo internada para fazer tratamentos, perdi movimento de braços e pernas e parte da visão. Vivi isso nos meus últimos anos dentro da escola e não tive atenção nenhuma da escola. Pensei em parar de estudar. Era muito duro saber que todos estavam olhando para mim e fazendo de conta que eu não estava ali.
A deficiência em sala de aula, tanto na educação infantil quanto no ensino médio é algo muito complicado. A maioria dos professores e diretores preferem nos tratar como se não estivéssemos ali. Porque se eles perceberem nossa presença, sabem que terão mais trabalho. O professor que se depara com um aluno com deficiência sabe que não vai poder dar a mesma aula que ele tem preparada há anos para alunos daquela série, com aquela idade. A deficiência dá medo, em alguns dá nojo. A deficiência continua sendo para as escolas uma atração de circo dos horrores. Todos enxergam, todos veem, todos apontam, mas ninguém quer perto de si. Hoje minha deficiência é invisível, afinal, não preciso mais da minha bengala por conta da mobilidade reduzida. Mas nunca me senti tão invisível aos olhos do mundo do que quando precisei de cadeira de rodas ou bengala.
O movimento das pessoas com deficiência tomou mais corpo a partir da década de 1970, quando começamos a entrar nas universidades. Mais ou menos junto com a terceira onda do movimento feminista. Mas é importante salientar que pessoas com deficiência da minha geração e de gerações anteriores a minha chegaram aos bancos da faculdade por conta de um esforço tremendo de nossas famílias para que ali chegássemos. Não foi nenhuma lei ou política pública que nos permitiu acesso a esse lugar.
Hoje estou no meu pós-doutorado em Educação. Divido a alegria de ter colegas cegos, surdos e com deficiência física no campus. Mas compartilho, principalmente, a dor de não ser bem vindo nesse espaço. Atualmente temos leis que nos garantem o direito à educação, temos políticas públicas como a reserva de vagas tanto no vestibular quanto nos programas de pós-graduação, mas não temos acessibilidade arquitetônica nas escolas e universidades, não temos acessibilidade metodológica e não temos, principalmente, acessibilidade atitudinal.
Até agora falei mais de espaços de educação formais, como a escola e a universidade, mas acredito que temos que lembrar dos espaços de educação não formais, que é o mundo inteiro. Aprendemos a todo momento, a todo instante com nossas experiências. Mas como uma criança com deficiência vai aprender algo com o mundo se ele não é acessível? Nossas atrações midiáticas não são acessíveis, nem nossos museus, nossos cinemas, nossos parques. Nem para crianças, nem para adultos.
Quando saímos na rua e percebemos que não podemos entrar num bar, num teatro, num museu, lemos, claramente o aviso: “você não é bem vindo aqui”. Isso vai nos machucando, nos calejando. E se não temos famílias que nos apoiem, é muito, muito fácil nos fecharmos em nossas casas. Não são todas as famílias que têm a visão de que o espaço público é para todos e todas, com e sem deficiência. Muitas pessoas com deficiência não saem com medo de incomodar, porque ouviram tantas vezes que elas incomodam que acabam acreditando nisso.
Muitas crianças com deficiência não vão à escola porque as famílias ouviram que não adianta levar, que ela não vai aprender. Que é melhor ela ir pro médico, pro fisioterapeuta, pra fonoaudióloga, pra psicóloga para ela “melhorar”. Acredito sim que tratamentos especializados são importantes, mas a participação social é enriquecedora. Não queremos ser medicalizados, esquadrinhados, colocados em rótulos de diagnósticos e prognósticos que digam até onde podemos ir, ou o quanto podemos aprender. Queremos apenas viver.
E aí, quando uma de nós chega a um lugar de destaque, ou consegue fazer algo grandioso como ser mãe, a sociedade nos coloca em um grande pedestal dizendo: que exemplo de superação, como ela teve sorte. Pois eu lhes digo, não é nem uma coisa nem outra. Não é sorte, é trabalho. É muito trabalho. É uma luta constante e de muitas pessoas. É uma luta que vem lá da década de 1970 com os primeiros movimentos pró inclusão. E não é superação, porque nós não queremos superar a deficiência. Ela faz parte de nós, parte das mulheres que nos tornamos. A deficiência não é algo é ser superado e curado. Ela faz parte de nossas vidas e precisa ser vista, falada e aceita como parte de nossas identidades.
Doenças e deficiências em nossa sociedade foram narradas durante muito tempo apenas pela medicina. E até hoje acreditamos muito que é a medicina que tem que dizer sobre nós. Mas, no movimento da pessoa com deficiência temos um lema: nada sobre nós sem nós. Quem deve falar sobre a experiência da deficiência somos nós. E não a medicina que apenas quer nos consertar e que, muitas vezes nos vê apenas a partir da falta. A escola aprendeu com a medicina a nos ver a partir daquilo que nos falta, seja o movimento, a visão, a audição ou a capacidade cognitiva. Nós aprendemos convivendo com outras pessoas com deficiência a ver o que importa. E o que importa não é a falta. São as potencialidades.
Muitas pessoas dizem: eu não tenho preconceito com a pessoa com deficiência. Mas é só ver uma pessoa com deficiência chegar ao topo para dizer: que lindo, que comovente, nem parece que tem uma deficiência. Há duas semanas o grande físico Stephen Hawking morreu, e eu quase surtei diante de tanto capacitismo. Esse é o nome dado ao preconceito a pessoa com deficiência. Era tanto “nem parece que ele tinha uma doença ou que lição de vida, precisamos ter vergonha de reclamar da vida”, que dava até um enjoo.
As vezes as pessoas dizem, mas eu falei sem a intenção. Então eu ensino o seguinte teste, principalmente para mulheres, que em sua maioria, sofrem com o machismo. Se você for comentar algo sobre uma pessoa com deficiência e trocar pela palavra mulher, fica parecendo preconceituoso? Tipo, ficou tão bom o trabalho que nem parece ter sido feito por uma mulher. Então, pronto, é capacitismo.
É importante lembrarmos que somos iguais em nossos direitos. Que toda pessoa tem direito a educação, a saúde. Mas para que isso se efetive, temos que tratar cada um de forma diferente, de acordo com suas necessidades, para que tenhamos uma equidade. Tratar diferente os diferentes para que se tornem iguais.
Vejo professores, tanto de escolas como de universidades, reclamando porque tem que adaptar suas aulas aos seus alunos. Fico espantadíssima com isso, porque eu sempre pensei que o mais importante no processo de educação fosse que o aluno aprendesse, logo, independente do caso, sim, é lógico que devemos adaptar nossas aulas e ferramentas para que o aluno aprenda. Se o importante fosse saber se o professor sabe o conteúdo, aí sim, a aula seria voltada a necessidade do professor.
Voltando a minha experiência, quando eu voltei pra escola, mal conseguindo segurar uma caneta na mão, pedi para gravar em áudio as aulas, já que teria que decorar tudo. Não foi concedido, porque não estava nas normas da escola. Pedi mais tempo para realizar as provas. Não foi concedido, porque não estava nas normas da escola. Pedi autorização para ir ao banheiro fora do intervalo, porque eu não tinha controle de bexiga. Não foi concedido, porque não estava nas normas da escola. E isso tudo me causou constrangimentos e problemas desnecessários. Afinal, que raio de norma é essa que causa sofrimento ao aluno?
Estamos ainda muito ligados a normas que não pensam na diversidade em sala de aula. Em regras que não vislumbram pessoas com diversas necessidades e diferenças em nosso mundo. Desenhamos espaços, escolas, universidades, serviços de saúde, atrações artísticas e midiáticas sem lembrar das pessoas com deficiências. E sem lembrar que doenças e deficiências não são privilégios nem questão de sorte e azar. Atingem toda nossa sociedade. Porque se eu não posso conviver com todas as pessoas porque elas não têm acesso a todos os lugares, eu perco com isso.
Fiz meu estágio docente do doutorado na disciplina de inclusão, e me arrepiava cada vez que uma aluna chegava dizendo: tenho X alunos e tantos são de inclusão. Como assim? Os demais são de exclusão? A inclusão social não é apenas para a pessoa com deficiência. A reserva de vagas não é só para quem as usa. É para que toda a sociedade possa conviver com as diferenças e aprender a viver com elas.
Se hoje muitas pessoas se veem em desespero ao se deparar com uma doença ou deficiência, achando que é o fim de suas vidas. Ou, se muitas pessoas ainda acham que pessoa com deficiência vivendo plenamente e feliz é exemplo de superação é porque cresceram sem ter esse contato. Muitos adultos de hoje passaram uma infância e adolescência sem nunca ter convivido com alguém com deficiência. E isso explica o medo de muitos ainda ao se aproximar e falar com alguém com deficiência. Isso explica o medo que nossos professores em escolas e universidades têm quando nos veem sentadinhos em suas salas de aula.
Conviver com pessoas com deficiência torna o que era desconhecido, natural.
Muitas vezes as pessoas nos dizem: mas eu não sei como ajudar alguém com deficiência. Pergunta! Não é feio não saber. Feio é querer continuar na ignorância.
Bem, eu comecei minha fala dizendo que eu falaria também como mãe. Há um ano e três meses eu e meu marido, que também tem deficiência, trouxemos o Francisco ao mundo. Uma grande responsabilidade. Ato que foi considerado por muitas pessoas uma loucura, afinal, duas pessoas com deficiência com um filho... quem vai cuidar? Pra que isso? E se ele tiver uma deficiência também? Essas foram algumas das perguntas que ouvimos.
Antes de engravidar eu sabia que eu queria ser mãe. Apenas isso. Do filho que viesse. Ela podia ter deficiências, doenças, o que fosse, porque eu sei que a vida de alguém com deficiência e doença vale tanto quanto qualquer vida. E porque o mundo tá tão caótico que eu queria poder educar alguém para ajudar na luta por um mundo melhor. Sei de mais mulheres com deficiência que tiveram o mesmo problema que eu: encontrar uma equipe médica que aceitasse acompanhar. Encontrar um serviço de saúde que fosse adequado. Sobre o direito da mulher com deficiência ser dona de seu corpo, sua sexualidade e seu direito a maternar é outra conversa importante, que talvez não seja o momento.
Francisco, que deve estar tirando seu cochilo agora, é uma criança feliz, que chama todo cadeirante que vê na rua de papai, porque a cadeira de rodas pra ele está ligada a alguém a quem ele tem muito afeto. Ele não sabe que a sociedade pensa que a tia dele, deficiente intelectual com esquizofrenia não alfabetizada, não serve pra nada, e a primeira palavra dele foi Tata, pra chamar essa tia amorosa que fez toda diferença na trajetória de vida da mãe dele e que certamente fará na dele. Porque, sim, minha irmã, a gente ama quem não sabe escrever. Nem todo conhecimento que importa no mundo é letrado. Ele vai saber desde pequeno que ficar internada no hospital para tomar remédio é rotina da mamãe, que fazer fisioterapia e tomar remédios é a rotina do papai. Eu quero que ele saiba não apenas respeitar, mas reconhecer as diferenças como potencialidades. Que na escola que ele frequente no futuro a diversidade seja um valor a ser exaltado. Que as crianças com deficiência que frequentem essa escola brinquem, se divirtam e não sejam limitadas pelos seus diagnósticos. Eu quero que ele possa ser quem ele quiser. E não me refiro apenas a questão da deficiência. Eu quero isso pro meu filho, e pra todas as nossas crianças. E se ele tiver uma deficiência, eu não quero que ele passe pelos mesmos constrangimentos que eu passei e que o pai dele tem passado na universidade atualmente. Quero que a luta das nossas crianças seja pela continuidade do direito a diversidade.
E pra isso, eu preciso do entendimento e do engajamento de toda uma sociedade que precisa parar de ignorar a pessoa com deficiência e, quando olhar para ela que não sinta pena ou medo. Obrigada!

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Viver com a deficiência do outro

Oi gente, tudo bem?
Eu vivo com a minha EM há 18 anos. Há 9 eu convivo com a de muitos de vocês também. E há quase 5 com a do Jota. Muitas pessoas me perguntam como é ser casada com alguém com EM. Pessoas que nem sabem que eu tenho EM perguntam como é estar com alguém que está tão dependente. Quem sabe que eu tenho EM não consegue entender como temos um filho tendo todas essas limitações. Pois bem, hoje resolvi responder como é estar casada e ter um filho com o Jota.
Quando eu o conheci, ele andava de bengala, depois foi pras muletas, depois pro andador, depois pra cadeira de rodas quando ia passear e agora com a cadeira motorizada dentro de casa. Ele fica muito pouco de pé, só pra fazer a transferência da cadeira pra cama ou pra cadeira de banho. O problema não se restringe às pernas, já que o lado esquerdo todo já não responde e a mão abre bem pouco, impossibilitando movimentos.
Ele precisa de ajuda para quase tudo. Depois de muitas quedas no banheiro, decidimos que xixi seria no papagaio e isso facilitou muito a nossa vida. Ele come sozinho, com a ajuda de uma órtese no garfo e escreve sua tese de doutorado sozinho, quase sempre catando milho no teclado do computador ou ditando frases para o aplicativo que instalamos no tablet. Aliás, o tablet ajudou muito pra leitura, já que não precisa virar as páginas.
Faz fisioterapia em casa duas vezes por semana, mas nos demais dias capricha nos exercícios sozinho, pinta livros (aqueles que é pra desestressar) pra não perder a funcionalidade das mãos e faz exercícios de fono, para que consigamos continuar entendendo o que ele diz.
Em dias muito quentes, fica na sua Sibéria particular...que é o quarto com o ar condicionado ligado no máximo. Porque só assim consegue manter a cabeça funcionando bem.
Para cuidar dele nos revezamos eu e minha sogra. Antes da gravidez eu cuidava mais, levava a todos os lugares. Mas agora tenho nosso filho pra cuidar, pra fazer comida, pra trocar fralda, pra ficar de olho o dia inteiro e ainda tem o trabalho. Vocês podem imaginar o quanto é agitado o meu dia, não?
Tem dias que eu fico tão cansada que não vejo a hora de chegar o fim do dia, só pra deitar na cama e assistir a alguma série com o Jota, ou ficar ali, conversando com ele sobre nosso dia, nossos sonhos, nossos trabalhos, nossas angústias etc.
Não vou mentir pra vocês. Não é fácil. Mas vou ser sincera, já foi mais difícil
Era mais difícil no tempo em que ele ainda tinha sua independência mas carregava consigo um pessimismo e uma tristeza sem fim. No início do nosso casamento era bem mais complicado, porque eu tinha que ter alegria e ânimo por nós dois.
Eu usava a analogia da fogueira. Era eu tentando alimentar e aumentar a nossa fogueirinha o dia todo e ele jogando baldes e baldes de água nela. Teve momentos que eu pensei em desistir. Porque é muito ruim conviver com alguém que acha tudo difícil e que tudo é uma tragédia. Principalmente pra mim, que sou uma otimista incurável.
Com o tempo, a convivência e a constate piora física do Jota aconteceu uma mudança interna muito interessante. Acho que de tanto eu falar, ou melhor, demonstrar no dia a dia que nossa vida já está dando certo e que temos que seguir em frente, não importa o que aconteça, algo mudou nele também. Vocês podem ver nos textos que ele tem escrito lá no blog dele na AME que isso aconteceu mesmo.
Eu tento viver a fé que eu tenho em cada ato, em cada momento da minha vida. E é essa fé de que eu nunca estou sozinha e que tudo tem um propósito, mesmo que eu não saiba qual é, é que me faz sorrir mesmo nos piores dias. Porque sim, eles existem. E não é se ajoelhando em um altar ou repetindo rezas que está a minha fé, ela é a minha vida e a minha certeza de que tudo já deu certo e continuará sendo assim. Isso independe de religião, ou de que nome você dá. Eu chamo essa certeza cheia de amor e serenidade que tenho nos meus dias de Fé e de Deus. Mas você pode chamar do que quiser, ou pode nem chamar de nada, só sentir.
E o que isso tem a ver com ser casada com alguém dependente? Bem, tem muito. Tem muito porque é isso que me faz não ter desespero nos momentos de dificuldade. É isso que me faz acreditar que as dificuldades são momentos necessários para o nosso crescimento. E é isso que me faz ver as dificuldades como oportunidades e não como desespero. Tem a ver porque eu sei que estou com o Jota porque o amo e não por pena. Tem a ver porque eu não rezo pela sua cura, mas pela sua felicidade, e eu sei que cura e felicidade não são a mesma coisa e, muitas vezes, nem estão próximas.
Lá no início do nosso namoro, quando ele caía no chão pela falta de equilíbrio ficava extremamente triste, e eu tinha que ouvir por dias a fio sobre onde isso ia parar, que ele seria um fardo, que a dor moral de cair era horrível e assim por diante. Há alguns dias ele teve vontade de ir no banheiro fazer cocô... acontece que a pressa, mais a vontade, mais o calor não foi uma boa combinação e ele acabou fazendo nas calças, no chão etc. Outro dia, ele caiu no chão, de novo no banheiro, tentando fazer uma transferência para o banho. Eu, minha mãe e minha sogra o levamos até o quarto, arrastando num lençol, para daí colocar na cama. Afinal, nenhuma de nós três tem força pra tirar ele sozinha do chão. Tudo isso foi na mesma semana. E aí, de noite, depois de estarmos mais tranquilos, deitados para dormir, eu perguntei pra ele o que ele sentia quando caía. Se antigamente ele dizia que se sentia um lixo, dessa vez ele disse: eu me sinto muito amado, porque não estou sozinho nessa. Nem preciso dizer que me emocionei. E mais ainda quando ele disse que aprendeu isso comigo. Até me senti mais apta a ensinar coisas legais para nosso filho depois dessa. Parece que alegria e gratidão também se aprende. Ou melhor, às vezes a gente só precisa de uma ajudinha pra ver as coisas com outras lentes que não a da lamentação.
Então, quando alguém me pergunta como é ser casada com um cadeirante, eu sempre respondo: eu não sei, eu sou casada com o Jota, que é sim cadeirante, mas é muito mais que isso. Ele é um cara sensacional, que é meu companheiro. Se eu queria ter ele mais presente em alguns momentos? Queria sim. Se eu queria que ele pudesse sentir o que é fazer nosso filho dormir no colo? Claro que queria.
Quando fico em salas de embarque de aeroportos sempre fico reparando nas famílias, aquelas com pai, mãe e filhinhos, correndo de lá pra cá com suas malas, indo para destinos de férias em passeios que devem ser divertidos e, sim, eu fico pensando em como deve ser legal isso. Às vezes imagino o quanto deve ser fácil ou bacana essa espontaneidade de dizer: vamos sair? E simplesmente sair em família, sem ter que se preocupar com acessibilidade, banheiro, calor, remédios etc. Viver com uma deficiência não tem glamour minha gente!
Mas, como o Jota mesmo diz, a gente escolhe o que nos falta e o que nos sobra. E eu escolho ver que nos sobra muito. Muito mais do que falta.
Eu não sei como é estar casada com um homem não cadeirante, sem uma doença crônica, degenerativa. Mas eu sei que eu quero estar casada com o Jota, quero ter meus filhos com ele e quero que nossos filhos aprendam a ser uma boa pessoa, uma pessoa gentil, como ele. Tá, eu espero que nossos filhos sejam mais espontâneos e extrovertidos, como a mãe, admito. Mas acho que eles têm muito a aprender com o pai. Porque ser pai é muito mais do que pegar no colo e trocar fralda. Aliás, têm muito pai aí que não tem deficiência nenhuma e não faz isso também, não é verdade?
Bem, espero ter respondido. E espero que todas as pessoas que se relacionam com alguém com uma doença e/ou uma deficiência se relacionem com as pessoas e não com suas doenças. Porque quando a gente ama uma pessoa, seja marido, filho, amiga, parente... as dificuldades se tornam oportunidades de mudança, desafios de adaptação e nunca obstáculos para viver e ser feliz.

Em tempo: amo a ilustração desse post. O Vini, meu primo que trabalhou como designer pra AME também, fez para um post muito especial do Jota, que ajuda a demonstrar o que escrevi hoje também: http://amigosmultiplos.org.br/post/449/para-alem-motivos-e-intenc-es