domingo, 30 de dezembro de 2018

O tratamento não é só sobre você



Oi gente, tudo bem?
Bom, hoje quero comentar um pouco sobre o novo tratamento do Jota e como eu me sinto com isso. Para quem não sabe, o Jota tem EM primária progressiva. Isso quer dizer que até basicamente ontem não tinha tratamento pra ele. Ele chegou a testar os remédios indicados para outros tipos de EM, sem sucesso.
Em fevereiro desse ano o Ocrevus foi aprovado no Brasil, em maio ganhou preço e foi aí que entramos com uma ação judicial para ter o remédio. Esperamos que logo ele seja disponibilizado pelo SUS, mas como a EM do Jota já está num estágio avançado demais até  mesmo para esse medicamento, resolvemos começar o mais rápido que desse.
Estamos gravando vídeos para contar sobre com tem sido as reações e vocês podem conferir no Youtube. Porque aqui eu quero escrever sobre outros aspectos, que não falamos lá.
Em poucos dias vimos algumas diferenças, como uma mobilidade melhor do braço. Se é real ou efeito placebo, não sei, só sei que chorei de alegria quando consegui abrir o braço esquerdo dele na hora do banho. Só eu sei a força que era necessária para lavar em baixo do braço. Fora isso, o medicamento parece ter dado um novo fôlego pra gente.
Como a maioria de vocês sabem, o Jota está dependente fisicamente pra tudo, usa cadeira de rodas motorizada para se locomover, ou seja, a deficiência física está num estágio bem avançado. E, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, deficiência na vida real não é que nem as de novela, que a pessoa adquire, “aprende alguma lição com ela” e aí se cura.
A gente até já falou pro universo que aprendemos bastante com a deficiência dele e que ok, ele pode voltar a ter uma mobilidade melhor já que já aprendeu a reclamar menos, a entender que na vida nada é garantido, a aproveitar um dia de cada vez, que tudo bem pedir ajuda, que a vida pode ser feliz sendo diferente daquilo que se tinha imaginado, que tudo é adaptável e outros inúmeros aprendizados. Mas, pasmem, não é assim que funciona. A deficiência continua ali.
Então, ter um tratamento possível, mesmo que seja para que não haja mais perdas funcionais, é algo bem importante. A saúde mental e emocional melhoram quando o nível de esperança aumenta. Nesse sentido, esse tratamento tem sido um gás pra gente.
E eu digo pra gente porque eu sei que o diagnóstico, a vivência da doença não é algo que se passa sozinho. Por mais que a dor, os sintomas, os medos sejam muito mais nossos, de quem tem a doença na pele, nossas famílias sentem tanto quanto, senão mais, o que é ter a doença. E aí eu e o Jota tivemos um pequeno desentendimento antes da segunda dose do remédio, semana passada.
Era pra ele fazer a medicação 15 dias depois da primeira. Passou 14 dias, o hospital não tinha leito. 15, e não tinha leito. Quando chegou no 16, estávamos às vésperas do aniversário do Francisco, o pai do Jota ia chegar pra visitar e ele disse: vou ver com a médica se tudo bem atrasar mais e eu fazer semana que vem, porque se o hospital me chamar só amanhã EU NÃO VOU!
Eu perguntei: como assim não vai? E ele, enfático: NÃO VOU!
Aquilo bateu em mim com a força de um soco no estômago e um rasgo no coração. Na hora eu não quis discutir. Tinha pessoas demais em volta. Mas depois eu falei pra ele, que esse tratamento não era só pra ele. Que as coisas, afinal de contas, não eram somente sobre o que ele desejava. Eu sei quantas festas de família, férias, viagens etc. deixei de fazer por conta de tratamento. Tudo porque o tratamento, cuidar de mim, não é só sobre mim. É sobre todos que me amam, me acompanham e estão comigo nessa jornada. E apesar de ser tentador essa atitude egoísta de dizer “é a minha vida, eu que decido”, bem, pode até ser, se você quiser realmente passar por tudo isso sozinho.
Foi tenso, foi difícil, foi doloroso falar sobre isso. Acabamos concordando que sim, ele faria no dia que fosse. E acabou que foi na manhã do dia seguinte e deu tudo certo.
Tudo isso pra dizer que talvez, eu, como esposa, cuidadora, amiga, seja um pouco egoísta querendo que ele pense em mim, no Francisco, em todos nós quando pensa no tratamento. Talvez ele tenha sido egoísta ao não querer fazer algo de um jeito diferente do que tinha sido planejado e decidido isso sozinho. Talvez eu tenha sido exigente demais. Talvez ele não tenha medido as consequências e responsabilidades direito. Fato é que, assim como ele fez parte da decisão da amamentação e da volta do meu tratamento, porque a minha vida e meu cuidado não dizem respeito só a mim; é importante pra mim que ele entenda que o tratamento dele não é só sobre ele. Claro que no fim das contas a gente pode fazer apenas o que quer e ponto final, mas isso pode acabar minando relações e acabando com nossas redes de cuidados.
E isso de falar que “nem tudo é só sobre você” é uma forma de dizer que não, você não é o centro do universo, mas também de dizer que sim, você é muito importante para mim nesse universo.
Até mais
 Bjs


Em tempo: depois de escrever esse texto me caiu nas mãos um exemplar do Pequeno Príncipe... e por mais irritante que possa parecer essa afirmação, ela está correta: tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas!

Em tempo 2: olha nosso vídeo sobre a segunda dose do Ocrevus e não perca nenhum vídeo nosso no Youtube se inscrevendo no canal:

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Quem sabe um dia...


Oi gente, tudo bem?
No último mês viajei duas vezes pra São Paulo. A primeira pra gravar um Roda Viva sobre esclerose múltipla (deve ir ao ar em 2019) e a segunda pro FAS2018 (se liguem, tem todos os anos e é um evento gratuito). E mais uma vez me deparei com um sentimento bastante ambíguo dentro de mim.
Eu não sei ao certo que nome dar a isso. Mas quando eu vejo uma família saindo viajar com os filhos, me emociono profundamente e sinto uma espécie de dor no estômago que não sei explicar. Tem vezes que não consigo segurar e acabo deixando uma ou duas lágrimas rolarem.
É um desejo interno de poder fazer isso, mesmo sabendo que isso não é para mim. Eu sei, vocês vão dizer que é só levar mais pessoas, uma rede que ajude na viagem, assim dá pra sair eu, Jota e Francisco. Mas, sinceramente, se tiver mais gente, já não é só nós, não acham?
Eu fico olhando aqueles pais com os filhos no colo, saindo de férias e me dói saber que eu não posso chegar em casa e dizer: amor, vamos pra praia uns dias com o Chico?
Nessa última vez eu estava sentada esperando ser chamada pro vôo e uma família sentou do meu lado. Mãe, pai e os dois filhos. O mais velho de uns 4 anos e o mais novo de no máximo 2. Fiquei pensando no nosso “plano inicial” de engravidar quando o Chico tivesse uns dois anos. Aí o pai das crianças disse: espera aí, só vou no banheiro e já volto. Eu, que estava na minha viagem mental imaginando se eu não conseguiria mesmo levar meus dois meninos pra uma viagem, fui trazida pra realidade: se o Jota precisasse ir ao banheiro, quem ficaria com o Francisco?
É...não seria nada fácil. E aí, entre a expectativa de uma viagem prazerosa e a realidade de um passeio exaustivo e até mesmo traumático, pensei que ainda não. Quem sabe quando Francisco for maior. Quem sabe quando ele for maior também para pensarmos em outro bebê.
Toda vez que isso acontece fico muito tempo pensando sobre esse sentimento. E muitas vezes me culpo por sentir isso. Penso no quanto sou feliz com a família que tenho. E que nós só somos quem somos porque temos nossas diferenças. Porque aprendemos com essas limitações do corpo e transformamos o impossível do corpo no possível da mente e do coração. E é por isso que seguimos em frente, mesmo nos dias difíceis, que não são poucos. Mas mesmo com todo esse amor, mesmo com toda gratidão que tenho pelas nossas vidas e nosso modo de ser, continuo sentindo isso em toda sala de embarque.
Não sei se isso é errado. Não sei se existe errado e certo na verdade. Mas é verdade também que sempre fico na esperança de um dia podermos fazer isso, sair em família prumas férias juntos. Seja porque o mundo vai ser mais inclusivo, seja porque o Jota poderá estar em uma melhor condição física, seja porque o Chico vai me ajudar, seja porque eu vou ser mais corajosa, mais forte. Quem sabe, um dia...
Até mais
Bjs

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Entre o que posso e o que quero

Oi gente, tudo bem?
São tantos textos dentro de mim, que mal sei por onde começar.
A verdade é que tenho feito muitas coisas daquela lista “que precisam ser feitas” e não tanto aquelas que eu quero/gosto de fazer. Isso tem me deixado cansada. Extremamente cansada. Uma delas é escrever.
Eu já disse zilhões de vezes isso, e até escrevi uma tese sobre isso, sobre o quanto escrever é terapêutico. É na escrita que eu organizo meus pensamentos e sentimentos. É na escrita que eu me analiso, me julgo e me perdoo. É a escrita que me liberta.
Mas o tempo livre tem sido escasso. Quer dizer, tempo é questão de preferência, sim... mas eu tenho tido que dar preferência às urgências. E, tudo bem, porque alguém precisa fazê-las. Mas, nesse processo, tenho me afogado em ideias, anseios e palavras.
Então resolvi tentar voltar a escrever. Em que hora? Bem, vocês nunca ouviram aquela pergunta: mas o que você faz entre a meia noite e as 5 da manhã? Quase isso. Vou tentar reservar esse tempo depois que eu coloco o Chico dormir, tomo meu banho e como alguma coisa para escrever.
Já consegui, com muito custo, voltar a ter meu tempo de leitura. É raro e curto, mas já consegui ler alguns livros nos últimos dias.
Eu tenho uma pouco a impressão que, depois de me tornar mãe, além de uma grande gestora da casa, me tornei uma melhor gestora do tempo.
Quando eu paro e penso na minha vida pré-maternidade, fico tentando lembrar o que eu fazia nesse tempo que hoje eu uso, diariamente, para cuidar do Chico, cozinhar, lavar fralda, trocar fralda, brincar, passear na pracinha, fazer mamadeira, contar historinha, colocar pra dormir. É muito tempo diário. Então, ou eu não fazia nada ou eu não sabia gerenciar meu tempo. Porque hoje eu faço tudo isso e ainda o que eu fazia antes: trabalhar, ler... menos escrever, que está mais complicado, por enquanto.
Cheguei a conclusão que eu devia ser péssima nesse negócio de gerenciar o tempo. Não é possível! Eu tinha, ao que tudo indica hoje, muito, muito tempo livre. E não me parece que eu era mais dedicada no trabalho ou coisas do gênero. Sei lá... acho que via filmes demais, talvez.
Fato é que a maternidade traz mais responsabilidades, mais tarefas, mais cabelos brancos, mais sorrisos diários, mais alegria pros meus dias e mais dúvidas sobre o que fazer da vida, agora que uma vida inteirinha depende de mim.
Agora, falando sério, se você quiser contratar alguém responsável e que sabe gerenciar tempo para a sua empresa, contrate uma mãe. Porque mães dão um jeito, quase mágico, de deixar tudo pronto no tempo certo. Eu acho mágico, porque não acho que eu tinha essa capacidade antes da maternidade.
É verdade que tem dias que é desesperador. Que tem dias que a gente mal come, mal dorme, mal se olha no espelho. Que tem dias que a gente pede colo pra mãe e pergunta: será que vai dar? Será que eu consigo? Como tu conseguiu fazer tudo mãe? E a gente chora junto e segue em frente. E tem dias que a gente olha pro marido e sente um tipo de inveja, na falta de nome melhor, do privilégio dele não ter essa responsabilidade toda. E chora por se sentir culpada por sentir isso, principalmente porque no meu caso não é uma escolha dele.
Sim, tem dias que eu fico tão exausta que eu nem sei direito se eu choro ou brigo com alguém. Normalmente quem me ouve nesses dias são minha mãe, o Jota, ou o bichinho de pelúcia do quarto do Francisco.
Dia desses eu me senti sozinha numa conversa dessas com o Jota. Porque ao falar que eu me sentia sozinha nesse processo ele disse que eu estava sendo ingrata. Mas, sabe, se sentir cansada e sozinha não é exatamente não reconhecer que outras pessoas estão se esforçando pra me ajudar. É simplesmente se sentir assim. E ponto final. Sem julgamentos sobre o que os outros poderiam fazer. Sem achar que o mundo é injusto. Sem pensar que a maternidade é um fardo.
Tudo bem, no final ele entendeu meu ponto de vista. Mas pra mim, que já estava exausta, ter que justificar meus sentimentos foi um processo doloroso.
E aí, vem mais um clichê da maternidade: talvez, só outra mãe consiga entender verdadeiramente isso que eu sinto as vezes. Isso não é desmerecer quem não é, seja porque não quer, seja porque ainda não teve filhos. É simplesmente porque é diferente. Como ter esclerose múltipla. Mesmo sabendo que as pessoas se esforçam pra entender o que é ter essa doença, eu jamais espero que, alguém que não tenha, entenda o que eu passo.
Espero poder, dessa vez, manter essa promessa que estou fazendo pra mim mesma, de colocar pra fora, em textos, o que está transbordando em mim. Espero ter vocês como companhia.
Até mais
Bjs