sábado, 26 de maio de 2018

Divagações maternas

Momento de tranquilidade em um dia nada
tranquilo.
Oi pessoal, tudo bem?
Há algum tempo venho pensado mais sobre a maternidade do que a esclerose. Mas sempre que penso na minha forma de ser mãe e de como encaro a vida, a EM está ali, o tempo todo.
Fato é que ser mãe me transformou. Não mudou minha forma de ver a vida e as prioridades, apenas acentuou algumas crenças que eu já tinha. A de que as relações de amor da minha vida são prioridades sempre é uma delas. E por isso, em semanas como as que se passaram e que eu pouco produzi enquanto profissional, não me sinto culpada, porque sei que estou exercendo meu maior e mais importante trabalho da forma que eu escolhi: ser mãe.
Mas não e só na minha maternidade que tenho pensado. Tenho pensado nessa coisa de ser mãe e filha de um modo mais geral.
Há alguns meses uma menina (menina mesmo, com seus vinte aninhos) me procurou porque estava com suspeita de ter esclerose múltipla. Além de apreensiva com o futuro, ela estava um pouco chateada com sua mãe, que se mostrava em desespero frente à possível doença. Ela queria que a mãe fosse mais "controlada", mais compreensiva e desse o colo que ela precisava no momento. Claro que eu entendo ela, mas a perguntei: e quem é que está carregando a tua mãe no colo agora?
A gente exige das nossas mães que sejam nossos portos seguros, mas esquecemos que elas são tão humanas quanto nós e que precisam de alguém que diga "vai ficar tudo bem". E esse alguém, muitas vezes serão nós, suas filhas e filhos. Porque maternidade não é só doação, é parceria também. Principalmente quando os filhos crescem e já tem maturidade pra entender isso. Se bem que, como dizem nossas avós, tem coisas que você só vai entender quando for mãe.
E é a mais pura verdade. A gente só entende essa doação total de tempo, amor, carinho e vida quando tem um filho. A gente só entende a renúncia de si mesmo quando se é mãe. E isso não tem nada de ruim ou de absurdo. Ser mãe em muitos momentos é isso mesmo, é ser pro outro.
Aí você pode perguntar: mas você, toda feminista, não acha isso errado? Não! Acho que é isso mesmo e não precisa de muita explicação.
Há pouco tempo também participei da despedida de uma grande amiga e de sua mãe. Como toda despedida, foi triste e carregada de emoção. Mas o que me doeu lá dentro foi ouvir minha amada amiga dizer "mãe, pra quem eu vou perguntar as coisas agora?".
Quando nasce um filho não apenas nasce uma mãe, mas nasce com ela o medo de deixar esse filho. Até o nascimento do Francisco, meu maior medo na vida era o de não ter minha mãe por perto. Por mais que saibamos que todos um dia vamos morrer, independente da crença que temos sobre o que acontece depois, não queremos que aqueles que são importantes para nós morram. Eu lembro de chorar quando era pequena imaginando como seria se eu não tivesse minha mãe. E ficava ali, chorando baixinho embaixo das cobertas, por aquela menina que não teria pra quem perguntar as coisas.
Quando o Francisco nasceu meu medo mudou. Meu medo passou a ser aquele que até então eu não tinha. O medo de morrer. Medo de deixar aquele serzinho tão pequeno, tão indefeso sozinho. E depois que crescem, continuam precisando da gente, pra responder até mesmo as coisas que o google responder, simplesmente porque somos suas mães.
Pois bem, semana passada me vi com o Francisco nos braços, gemendo por mal conseguir respirar e olhava pra mim com um olhar de dor, como que pedindo "mãe, o que tá acontecendo?". Esqueci que eu mesma estava com febre e com dor e fui com ele pro hospital. Diagnóstico: crise aguda de bronquiolite. A primeira de muitas vezes em que ele ficará doente. Passamos o dia com ele no oxigênio (que inferno deixar aquele caninho no nariz dele), aspirando e tomando remédios até que no final da tarde pudemos vir pra casa, já bem melhor.
Nos corredores do hospital as pessoas diziam "a gente preferia que fosse com a gente né?". Eu confesso que concordava pra não aumentar a conversa. Mas, sinceramente, não sinto isso. Não senti em nenhum momento que eu deveria passar pelo que ele estava passando. Eu senti sim que eu deveria estar ali, o tempo todo, sendo seu porto seguro e dizendo pra ele que tudo ia ficar bem. Eu acho que a gente não tem que passar pelas dores que são dos nossos filhos. Talvez isso me faça uma mãe estranha...sei lá...
Durante o dia, enquanto ele dormia depois de conseguir respirar melhor, eu continuava cantando nossas musiquinhas. Vez ou outra ele abria os olhos, tentava tirar o oxigênio, sorria pra mim e continuava dormindo. Eu estava tranquila, minhas duas mães (minha mãe e minha tia) estavam na sala de espera pra me apoiar e cuidar de mim também. Olhando pra ele eu dizia: vai ficar bem meu amor, a mãe promete.
Na verdade, bem na verdade, a gente não pode prometer essas coisas né? Afinal, as coisas podem piorar. A gente pode não estar mais aqui logo ali em frente. E o que a gente achava que era ficar bem parece só piorar. Mas ainda assim eu prometo isso pro meu filho, porque quero que ele aprenda que as coisas ruins e difíceis fazem parte, mas que nunca estamos sozinhos pra passar por elas e que, logo ali na frente vemos que somos maiores que qualquer adversidade.
Quando os médicos me explicaram que ele pode desenvolver alguma doença respiratória como asma ou bronquite eu só pensava, ok, mais uma coisa pra gente aprender a lidar. Uma das médicas veio me elogiar pela minha serenidade enquanto eles faziam os procedimentos com ele gritando, pela minha tranquilidade sabendo que meu filho não estava bem. Eu disse a ela que só sabia ser assim, e que eu tinha tido uma boa escola em casa.
Não sei quantas vezes minha mãe chorou sozinha embaixo das cobertas com medo de deixar a mim e minha irmã sem respostas. Nem quantas vezes as lágrimas se misturaram à água do banho por não saber como ser força pras filhas que não estavam bem e precisavam de colo. Mas agora, sendo mãe, entendo um pouco melhor ela, minha avó, minha tia e todas as mulheres mães que me precederam.
Assim como ter esclerose me trouxe conhecimentos e atitudes que sem ela eu não poderia sem imaginar ter, a maternidade também faz isso com a gente. Por mais irritante que essa frase soe, tem coisas sobre a vida que só quem é mãe entende. E isso não desmerece quem não é e não quer ser. Só quer dizer que, bem, ser mãe é algo incrível, extraordinário e inexplicável. Só se sente e ponto final.
Até mais
Bjs

Em tempo: Lúcia, no fundo, a gente carrega nossas mães com a gente, e acho que é isso que faz com que sejamos tão parecidas com elas quando nos tornamos mães. Então, quando tiver aquela pergunta que só tua mãe poderia te responder, pergunta, que ela vai te responder, aí dentro de ti.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Pare, fale mas ouça também

Tá ou não tá uma gostosura esse gurizinho?

Oi pessoal, tudo bem com vocês?
Por aqui tudo bem. Francisco crescendo lindamente e eu me ocupando quase 24h por dia admirando esse crescimento e aprendizado que não é só dele, mas de todos nós que convivemos com ele.
Voltei semana passada de uma viagem linda à Natal. Fomos passar uma semana de férias, eu, minha mãe, minha irmã e Francisco. É sempre bom ficar desligado do trabalho, dos afazeres da casa, das responsabilidades diárias e se preocupar apenas em acordar, dormir, comer e ver qual vai ser o passeio do dia. Foi lindo ver as descobertas do Francisco com o mar, a areia (no ano passado ele brincou pouco, tinha apenas 5 meses), os animais (ele ficou encanado com a tartaruga no aquário e quase morremos pra tirar ele de cima de um jegue num passeio), as pessoas. E cada vez que eu vou à praia volto tendo a certeza que nasci no lugar errado. Eu sou do mar gente, certeza disso!
Mas voltando pra vida real, antes de viajar eu estava me sentindo muito cansada. A fadiga voltou a fazer parte dos meus dias e com ela alguns sintomas como formigamento no nariz em dias de muito cansaço. Estava até assustada pensando num possível surto. Mas como na praia não senti nada disso, percebi que é uma questão de descansar mais.
Mas aí, eu pergunto pra vocês, como faz pra descansar tendo um filho pequeno pra cuidar? Quem não tem filho talvez não saiba, mas a rotina de uma mãe é organizada pelos horários de sono, fome, fralda e brincadeiras da criança. Mesmo dividindo algumas tarefas com a família, a responsabilidade maior aqui em casa é comigo. E acredito que na casa da maioria das famílias seja assim também.
E aí vem aquele sentimento de algumas coisas que parecem faltar pra gente. Tem dias que eu sinto muita falta de escrever. Porque escrever pra mim sempre foi uma terapia. Mas de tanto não conseguir sentar pra escrever o que meu coração quer, estava me convencendo de que era bobagem. Comecei a questionar minha capacidade em escrever bons textos. E também fiquei pensando: pra que escrever mesmo? Tem tanta gente escrevendo sobre esclerose...tanta gente escrevendo sobre maternidade... tanta gente escrevendo sobre vida acadêmica... pra que eu vou ser mais uma pessoa escrevendo sobre essas coisas?
O Jota me lembrou algo que eu disse há alguns meses pra uma amiga que voltou a escrever sobre EM (força Marina!), que eu não deveria escrever porque os outros vão ler e concordar ou discordar, mas escrever porque é bom pra mim. Isso ficou martelando na minha cabeça. Afinal, não fui eu que escrevi uma tese de doutorado falando o quanto escrever tem um potencial curativo? Não curativo da doença física, mas de sentir-se melhor consigo mesmo.
Não por acaso, porque eu não acredito em acaso, recebi alguns emails nos últimos dias de pessoas que estão descobrindo a EM e leram meu blog nos últimos dias. É bem legal receber mensagens assim, porque dá um gás pra continuar escrevendo. No meu caso, deu um gás pra eu voltar a sentar na frente do computador e escrever livremente, sem medo de que as pessoas concordem ou não com o que eu digo. Obrigada a todos e todas que me escreveram nos últimos dias, os emails e mensagens de vocês foi de fundamental importância para eu organizar um calendário de posts novo e pensar em novos vídeos para o canal (será gravado amanhã, sem falta).
Escrever exige vontade e disciplina, mas também tempo. E nesse mês das mães, vendo os comerciais lindos (de chorar mesmo) sobre maternidade, eu me emociono mas também me pergunto quem apoia as mães para que elas possam ser elas mesmas e possam ser apoio e exemplo para os filhos. Eu confesso e abro meu coraçãozinho e intimidade da minha família pra dizer que ontem à noite tive uma séria conversa com o Jota sobre isso. Porque eu cresci ouvindo que eu sou foda, que eu sou capaz de tudo, que eu sou forte, que eu sou guerreira. Só que chega uma hora que a gente cansa e não quer ser a super mulher que os outros desenham. Eu me sinto mal porque eu sei que se dependesse da vontade dele a coparentalidade seria uma super realidade aqui em casa. Mas o corpo físico e a EM dele não permitem isso. E eu me sinto uma megera por falar pra ele como eu me sinto cansada sabendo que ele vai se sentir mal por não poder fazer muita coisa. O que ele não sabe é que me escutar, dar o peito pra eu deitar e secar minhas lágrimas já é bastante coisa. Às vezes o que uma mulher-mãe cansada quer é apenas falar o que incomoda, sem julgamentos e sem soluções mesmo. Só ser ouvida.
Eu sei, o texto de hoje virou uma miscelânea estranha. Desculpa. É que eu precisava recomeçar, mesmo sem um tema específico. Eu precisava falar. Sem ordem, sem início meio e fim. Às vezes é isso que a gente precisa. Escrever sem a pretensão de ser lida. Escrever pra esvaziar a mente e o coração.
Se alguém estiver lendo, obrigada por me acompanhar até aqui. Se eu puder dar um conselho pra você é: encontre alguém que te escute e, sempre que alguém te procurar para falar, escute essa também essa pessoa.
Até mais
Bjs

Em tempo: resgatei a leitura de um texto meu e continuo gostando dele: http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/search?q=porque+escrevo