Oi queridos, tudo bem com vocês?
Há alguns dias vi um vídeo sobre o diagnóstico de EM e fiquei pensando sobre ele, sobre o meu diagnóstico, sobre os muitos emails que recebo todos os dias me contando seus diagnósticos.
É incrível a diversidade de reações que existem para esse momento. O momento em que o médico diz: o que você tem é ESCLEROSE MÚLTIPLA!
No meu caso ele não disse, ele escreveu num papel e mostrou pra mim e pra minha mãe, que estava sentada ao meu lado. Na hora eu pensei (desculpem o palavreado, mas não tem outro jeito de descrever): essa merda deve ser foda, pro cara nem falar o nome...
Eu entendo que pra ele deve ter sido difícil me diagnosticar com EM. Ele me conhecia desde os 12, conhecia meus pais desde sempre e de repente dizer pra uma menina de 14 anos que tinha esclerose múltipla, numa época em que só tínhamos 3 remédios disponíveis e como eu tinha menos de 18 anos só podia testar dois. Realmente Dr. César, eu também escreveria.
Bom, mas voltando ao vídeo (link logo ali abaixo), vi as diversas reações que leio todas as semanas: algumas pessoas se entristecem muito, porque acham que não mereciam ter a doença. Sinceramente meus amigos, ninguém merece, mas doença não é uma questão de merecimento. Nascemos com um corpo igual ao de todos, suscetível a doenças como todos e, por alguma falha ou disfunção desse corpo, temos uma doença. Ponto. É isso, e não merecimento.
Outras pessoas se desesperam e ficam se perguntando "Porque eu?". Tem uma senhora no vídeo que diz que todos se perguntam "porque eu?". Sinceramente, eu nunca perguntei porque eu. Não sei se é porque cresci conhecendo muita gente com doenças das mais diversas (não se esqueçam, a clínica de fisioterapia dos meus pais era meu parque de diversões), mas eu sempre pensei, "porque não eu?". Há alguns dias uma menina me enviou um email dizendo exatamente que estava se perguntando "porque eu?" e eu perguntei a ela o que ela tinha de tão especial e extraordinário que a faria imune a uma doença. Não sei se ela gostou da resposta, mas é assim que eu vejo. Se todos podemos ter uma doença, porque eu não teria nadica de nada?
Outras acham que têm a doença é alguma missão divina. Eu, sinceramente, procuro não achar sentidos do porque ou para que ter a doença.
Eu tenho a doença porque tenho um corpo humano, frágil e suscetível à enfermidades. Quero que descubram o que causa essa doença para que saibamos evitá-la. E adoraria que encontrassem um cura porque viver com ela é muito difícil, é sofrido, exige muitos cuidados, adaptações, adequações e mudanças que nem sempre queremos fazer. Mas já que eu a tenho, a única coisa com a qual eu me preocupo é o que fazer com ela. É viver com ela. E não viver pra ela nem por ela. Ela já ocupa demais minha cabeça e meu coração com aquilo que ela provoca, eu é que não vou ficar catando os motivos dela existir, fazendo ela ser maior ainda do que já é.
Não dá para ignorá-la. Seria muita burrice. Mas não dá pra supervalorizar. Ela vai ganhar de mim apenas o valor que ela tem.
E qual o valor que ela tem? Então, vai depender de que fase eu e ela nos encontramos. Nós sabemos que ter EM é viver numa montanha-russa.
Pulando essa fase de porque eu, pra que, etc e tal, tem as pessoas que se sentem aliviadas com o diagnóstico. Se sentem aliviadas porque já passaram por tantos médicos, tantos exames, tantos diagnósticos diferentes que quando ganham um rótulo sentem o alívio de poder dizer o que tem, como tratar, que ajuda procurar.
Voltando ao meu diagnóstico, fiquei tentando lembrar qual foi o meu sentimento quando fui diagnosticada. Eu lembro do dia, de como foi, que eu saí do consultório e fui pro hospital marcar a pulso, de chegar em casa e encher a minha mãe de perguntas, de esperar dar dez horas da noite pra ligar a internet e ver o que dizia na rede (lembram da internet discada, que era mais barata depois das dez né? hehehehe). Mas não lembro de ter sentido raiva, tristeza, medo, alívio, nada. Fiquei pensando se eu tinha bloqueado essa memória e liguei pra minha mãe. Ela me confirmou que eu fiquei muito tranquila, só bastante curiosa. Eu queria saber tudo sobre a EM. Eu queria saber tudo sobre essa coisa que ia ficar comigo a partir daquele momento.
Acho que aceitei com certa facilidade o diagnóstico. O que eu não aceito muito bem, até hoje, são os novos surtos. O surto pra mim é sentido como um fracasso sabe. E acho que o momento em que a EM me deixou mais triste foi quando eu tive um surto fenomenal, que me tirou o controle de braços, pernas e visão, tudo ao mesmo tempo. E eu sentia tanta dor, me senti tão mal que cheguei a pensar se não era melhor eu não existir. Isso foi dois anos depois do diagnóstico. E, claro, a cada novo surto é um sentimento de fracasso.
Mas quando a gente recebe o diagnóstico, ele não afeta apenas a gente. Ele envolve todos que estão conosco e que precisam entender essa doença, nossos novos limites, nossas necessidades. E aí a coisa complica um pouco. Complica porque no início nem a gente sabe descrever o que sente. Mas com o tempo e os sintomas pegando, a gente acaba aceitando a doença. E na maioria das vezes a gente aceita ela muito antes dos outros. Porque é a gente que tá sentindo ela não é?
Nossos pais, avós, amigos, namorados, esposas, etc não conseguem sentir o que estamos sentindo. Não conseguem entender o que é aquilo. Alguns tentam minimizar a doença dizendo que logo ela vai passar, que vão descobrir a cura, que isso não é nada. E não percebem que, com essas palavras estão dizendo: eu não aceito que você esteja assim, isso tem que mudar, isso não te define. É verdade que isso não nos define, mas faz parte de quem somos, então, é melhor meus caros amigos que são amigos e familiares de quem tem EM, é melhor aceitar que é uma doença sim, que é grave sim, que exige cuidados específicos sim e que causa muito sofrimento. Não é feio ficar triste. Mas querer que as coisas voltem a ser do jeito que eram antes não resolve. Pelo contrário, só atrapalha porque, não adianta, as coisas não serão como eram antes.
E pra gente é complicado aceitar esse fato também. Aceitar que a vida de todo mundo continua o rumo que tinha antes e a sua não. Que seus planos, de repente foram suspensos. Que tudo precisa ser reorganizado. Que seu corpo não é mais o mesmo corpo. E que tudo parece continuar andando normalmente enquanto você quer que o mundo pare para que você se entende e ele entenda você. É complicado, mas o mundo não para.
E sabe que às vezes, nesse processo de se entender a gente acada sendo rude com quem tá tentando ajudar. Mas não é por maldade não. Eu sei que cada banho que minha mãe me dava, mesmo eu tendo 18 anos na cara, era cheio de carinho e não de piedade, mas saber disso não tirava a minha dor. Gritar "mãe, vem limpar" (e ajudar a levantar, e colocar a calça e ir sentar em outro lugar) não tem a mesma graça que tinha quando tínhamos 4 ou 5 anos. Não poder ir chorar escondida no banheiro, depender de alguém até pra limpar o ranho do choro faz com que a gente não enxergue que quem faz aquilo faz por amor. A dor cega às vezes. E assim como a gente quer que tenham paciência com a nossa dor, a gente tem que ter compaixão pela dor do outro.
Eu fico extremamente triste quando recebo emails dizendo que a família acha que a doença é charme (pasmem, não são poucos). Eu não consigo dimensionar a dor que vocês sentem porque se já é difícil com o apoio da família, sem ele deve ser insuportável. Juro, tenho vontade de levantar da cadeira e ir aí dar um abraço. Eu sei que meu abraço não resolve o problema, mas carinho sempre faz bem né...
Mas, fica muito feliz quando recebo emails de amigos, familiares, namorados, esposas, conhecidos, sei lá, perguntando o que fazer pra ajudar uma pessoa que ama e que tem EM. Fico feliz porque essas pessoas estão se preocupando, e isso já é uma grande coisa. E a verdade é que não tem receita pra como lidar. Porque pra cada pessoa é diferente. E, adivinhem só, mesmo quem já passou por isso, não sabe exatamente o que fazer quando alguém que a gente ama tá passando.
Eu tenho aprendido muito como é estar do outro lado agora. Eu tenho feito com meu namorado tudo aquilo que eu achava ruim quando faziam comigo. Só quando se sente essa impotência é que se entende que o cuidado não é super proteção, nem pena. É amor.
Eu sei que a dor, o sofrimento, a mudança nos provoca uma certa rabugice. Eu fui a rainha da rabugice. Eu sei como eu fui rude algumas vezes. E quanto eu não soube devolver todo o carinho que me davam, mesmo reconhecendo esse carinho, precisando e adorando receber. Sério, meus queridos amigos que nos acompanham, a gente sabe e reconhece, só que às vezes não consegue externalizar, agradecer. E vocês não imaginam o quanto a gente se sente culpado por isso.
E aí a EM faz com que os dois lados fiquem se sentindo mal. Quem cuida porque acha que nunca é bom o suficiente pra fazer quem tem a doença se sentir um pouquinho melhor. E quem está sendo cuidado porque acha que está atrapalhando, porque está se sentindo impotente. Na verdade há um sentimento de impotência dos dois lados.
E o que eu vou falar agora não é nada alentador: realmente não há muito o que se possa fazer. É necessário passar por todas as fases pra poder se aceitar. É necessário que os dois lados passem por essa transformação. Fugir disso não funciona. É como o luto, você precisa passar por ele, por mais doloroso que possa ser. É um luto. E, como em qualquer luto, ninguém sabe exatamente o que fazer, o que falar, como agir. E fazemos coisas que depois até nos arrependemos. Mas assim a gente aprende.
E, a parte alentadora é que, depois que essa fase passa (sim, é uma fase e sim, passa), as relações se tornam melhores. Há mais cumplicidade, respeito e lealdade. E aqueles que somem nessa fase (sim, porque alguns pais, mães, filhos, amigos somem nessa fase...uns voltam depois, outros não voltam jamais), é porque não tinham capacidade ou vontade de passar por essa transformação.
O diagnóstico é isso, um processo de transformação. De morte e de nascimento. E como toda transformação exige esforço, vontade, carinho, dedicação, paciência, coragem, amor.
Eu sempre faço a comparação do diagnóstico com uma mudança de cidade. Quando eu tinha 12 anos eu me mudei de cidade. Achei que ia morrer sem meus amigos, minha escola, minhas ruas, meus hábitos na nova cidade. Achava que eu nunca mais ia ter amigos... aquele exagero típico de pré-adolescente. Depois do choque de me mudar, fui me acostumando com as novas ruas, conheci gente nova, fiz novos amigos, criei novos hábitos, recriei minha vida. Claro que eu sentia saudades do que eu tinha vivido, e me doía saber que meus antigos amigos continuavam a vida deles, sem eu estar lá. Mas a vida seguiu e hoje eu voltei a ter contato com aqueles amigos, agora uma relação nova, diferente, apesar de sermos as mesmas pessoas (ou não, hoje somos nossa versão melhorada). Com a EM é a mesma coisa. No início é muito dolorido saber que a vida de todos seguem como se nada tivesse acontecido. Mas com o tempo a gente vai se acostumando com o novo corpo, a nova vida e até consegue olhar só com carinho e não com pesar pro passado. É libertador poder olhar pro passado com carinho e pro futuro com esperança. Mas isso exige tempo, coragem e paciência. E amor daqueles que nos rodeiam, porque não é bolinho não.
Viver com a EM não é uma escolha, mas como viver com ela é. Minha mamis sempre me disse que se a gente escolhe olhar o mundo com um óculos de lentes vermelhas, tudo vai ser vermelho. E mesmo que se goste muito do vermelho, você acaba perdendo a oportunidade de enxergar a beleza das outras cores e de, quem sabe, até gostar delas.
Ah, e pra muitas pessoas a EM é uma forma de olhar pras coisas que realmente importam, de parar e fazer aquilo que realmente gostam. Eu acho que todos deveriam fazer isso sempre, com ou sem EM, mas às vezes só tomando um susto desses é que se repensa os valores. E isso quem proporciona não é a EM, é você mesmo. É você que escolhe olhar e fazer o que ama. Valorizar aquilo que realmente te importa. Isso já estava dentro de você, já era você antes do diagnóstico. Talvez o que a EM tenha feito é dar um empurrãozinho, certo?
Tudo isso só pra dizer que não tem receita do que fazer, como agir, de certo ou errado. Por isso que eu continuo errando na esperança de no fundo estar fazendo certo. É clichê e brega, mas talvez o certo seja fazer o que diz seu coração.
E você, se sentiu como quando foi diagnosticado?
Curtam o vídeo e me contem ali nos comentários:
Até mais!
Bjs