domingo, 16 de setembro de 2012
Tratamentos e cuidados múltiplos
Oi gente, tudo bem?
Aqui em Porto Alegre estou virando sapo já... choveu ontem, hoje o dia inteiro e a previsão é que chova mais uns dois dias. Eu sei que é necessário, mas, enjoa.
Bom, um dos textos que eu estava devendo era sobre cuidados multidisciplinares na EM, tentando juntar as falas da médica neurologista Maria Fernanda Mendes e da enfermeira Patrícia Saldanha.
A primeira coisa que me chamou a atenção na fala da dra. Maria Fernanda é que até 15 anos atrás, não tínhamos tratamentos específicos e claros pra EM. Me chamou atenção porque eu tenho EM há 12. E quando as pessoas me perguntam porque eu não tomei a medicação antes e blablabla, às vezes eu explico que, na época do meu diagnóstico se discutia a eficácia e os riscos dos interferons. E os protocolos para prescrição também eram diferentes. Tanto que o Avonex, que é o que eu tomo hoje e que está trazendo benefícios, não era indicada para menores de idade. Ou seja, eu não poderia ter experimentado essa droga antes.
Isso também explica porque quem tem diagnóstico há mais tempo (isso não é regra, mas uma constatação minha) apresenta mais sequelas. Porque a gente não teve acesso imediato a um tratamento específico para EM na época. Os médicos e cientistas ainda tateavam a área enquanto a nossa doença continuava a mil por hora. E é também por isso que, quando alguém me diz que teve o diagnóstico agora e pergunta o que eu acho de começar o tratamento agora, eu digo: comece já!
Bom, aí ela falou sobre coisas que não nos são novidade: que é difícil ter um diagnóstico desse em "idade produtiva"; que a gente sente medo porque não a conhecemos, não conhecemos seus sintomas, não sabemos o que é normal na doença e o que não é; que a incerteza é o que nos "mata".
E onde é que nossa qualidade de vida é afetada? Nos sintomas e sequelas da doença sim, mas ela é muito mais abalada por conta dessa imprevisibilidade. E a gente tem que tocar a vida com essa imprevisibilidade.
Claro, a vida de ninguém é completamente previsível. Nunca se sabe o que acontecerá no dia de amanhã. Mas viver com a incerteza de conseguir se levantar no dia de amanhã, todos os dias, é dureza. A gente vive com esse fantasma do nosso lado. Tem dias que nem sentimos sua presença. Tem dias que ele nos abraça como um polvo. E não saber como será nas próximas horas é uma agonia muito grande. E, sim, isso pode atrapalhar muito a qualidade de vida de quem tem a EM e de quem convive com ela. A família de quem tem EM também é afetada por isso.
Aliás, a família acaba tendo que se reajustar constantemente por causa da doença: é dinheiro que precisa ir para remédios, é a rotina que muda pra fazer fisio, é o tempo que as pessoas precisam dedicar pra ajudar aquele que tem EM.
Vocês não imaginam o tamanho do sentimento de culpa que dá na gente ao ver a mãe deixando de fazer coisas pra ficar cuidando. Mesmo sabendo que é por amor. Alterar a dinâmica familiar é uma carga emocional muito grande. E, aí já entra a fala da enfermeira Patrícia, a figura do "cuidador" aparece.
Há quem não goste dessa palavra. Até porque nem todas as pessoas que tem EM tem um cuidador. Mas, pra mim, o cuidador da pessoa com EM, ao contrário da definição laboral de cuidador, não quer dizer um enfermeiro 24h indo atrás de ti com remédios e perguntando se tu estás bem. Eventualmente pode até fazer isso, mas o cuidador da pessoa com EM é aquela pessoa que está contigo no dia a dia, que vê as tuas dificuldades e conquistas, que acompanha tudo isso, que te ajuda a enxergar teus potenciais, que te ajuda a fazer as atividades domésticas quando tu não consegues, que vai junto na consulta pra dizer pro médico aquelas coisas que nem tu enxergas.
Se pensarmos assim, quase todos nós elegemos alguns cuidadores, não é mesmo? No meu caso, é mamãe. Mãe é mãe e não tem muita escolha! Hahahaha. Mas pra algumas pessoas são seus companheiros, maridos, esposas, irmãos, filhos, etc. E como a carga de cuidar (no sentido de olhar, ocupar-se com, preocupar-se, demonstrar interesse) não é pequena, não podemos esquecer de cuidar dos cuidadores.
Assim como a pessoa com EM pode vir a perder um pouco de sua autonomia, a pessoa que cuida dela, muitas vezes, perde a sua também. A gente não pode deixar que isso aconteça, senão, os dois afundam e aí, já viu né...
Mas como? Como fazer isso?
Bom, aí entra a necessidade de uma equipe multidisciplinar pros pacientes de EM. Isso inclui profissionais diversos: fisioterapeuta, psicólogo, enfermeiro, educador físico, terapeuta ocupacional, etc. Porque existem diversas outras terapias que podem ser realizadas em conjunto à medicina. Uma doença complexa exige um tratamento complexo.
Ok, tudo isso é muito lindo né? Ter uma equipe que cuida da pessoa que tem EM, proporcionando qualidade de vida para a pessoa e pra quem convive com ela. Lindíssimo! Mas onde?
Então, isso ainda é um sonho para muitos, para a maioria de nós, eu diria.
Infelizmente, os profissionais de saúde que encontramos por aí mal sabem o que é EM, quanto mais fazer um tratamento interligado com outros profissionais.
Mas não custa sonhar, certo?
O negócio é a gente cobrar, cada vez mais, dos nossos médicos, fisios, etc, esse tipo de tratamento.
E aí você vai me perguntar: mas e no SUS? #comofaz
Pois então, essa é outra questão trazida pelas duas palestrantes. Porque a EM, como levantou a dra. Maria Fernanda, não é uma doença pra ser tratada com consulta de 15 minutos em posto de saúde por profissionais que não são especialistas na área. E é uma doença que exige cuidados constantes, consultas em dias inesperados (que não aqueles da consulta marcada com meses de antecedência). Nisso todos concordamos. O grande problema é mudar o sistema...
Já existem alguns centros de referência de tratamento de EM que oferecem esse tipo de atendimento. E existem associações que oferecem esse tratamento multidisciplinar, como a ABEM em São Paulo (tô doida pra ir aí conhecer o espaço de vocês). Mas, infelizmente essa não é a realidade da maioria das pessoas que tem EM no Brasil.
A maioria das pessoas com EM no Brasil ainda são mal atendidos pelo SUS, não tem acesso a tratamentos complementares e indispensáveis. A maioria das pessoas que tem EM ainda não se sente à vontade pra dizer o nome da sua doença, porque quase ninguém sabe do que se trata e as pessoas temem a reação, que (palavra de quem fala que tem esclerose) invariavelmente é de pânico, pavor, etc...
Isso tudo não é novidade pra gente também né? Quero poder um dia escrever aqui que todos nós temos acesso a um tratamento bom e digno. Quem sabe um dia né? Mas, pra isso, vamos precisar trabalhar, porque se a gente não abrir a boca, ninguém vai nos defender não. Se conseguirmos fazer chegar as informações corretas sobre EM para todos que tem o diagnóstico, já vai ser uma grande vitória.
Bom, fora isso sobre a necessidade de um tratamento multidisciplinar e do cuidado com/para os cuidadores, outra coisa me chamou a atenção, porque era uma coisa que eu tentava explicar e não conseguia. Agora eu sei.
Quando a gente está de pé, caminhando sem auxílio de acessórios, algumas pessoas dizem (lembrem, as pessoas falam porque tem boca): mas que que tu tá reclamando? Não vê o fulano de tal, que se acidentou, tá paraplégico pra sempre numa cadeira de rodas e faz de tudo?
E aí tu fica sem saber como responder que é complicado. Que a fadiga é imprevisível. Que a doença é imprevisível, etc. E olha que eu já ouvi esse tipo de comentário de amigos cadeirantes, que acham que eu faço corpo mole.
Aí, a dra. Maria Fernanda, que trabalha com pessoas com EM e com pessoas com lesões medulares (paraplégicos e tetraplégicos) disse que realmente pode ser mais complicado tratar a EM do que um lesado medular, por conta da instabilidade da doença. Porque as pessoas com paraplegia, por exemplo, ficam numa situação estável.
Deixa eu tentar explicar. Quer dizer que ele tem a lesão X, no lugar X, com extensão X, e agora vamos trabalhar as potencialidades daquilo que ficou intacto.
A pessoa com EM tem lesões x, y, z, a, b, c... em lugares t, b, v, m, n... e não sabemos onde teremos novas lesões, quando teremos nem a extensão delas. Nem se essas que estão aí vão continuar ativas, aumentar ou diminuir.
A pessoa com lesão medular tem uma (ou mais) lesão medular estável. A pessoa que tem EM tem uma doença imprevisível, com lesões instáveis.
E é com essa imprevisibilidade, que nos incomoda tanto, que os médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, etc, também se embananam.
Pelo visto, estamos aprendendo e ensinando nossos profissionais de saúde como lidar com a EM.
Isso é bom. Quer dizer que estamos avançando.
Até mais!
Bjs
P.S.: ainda devo 2 textos de Brasília e 1 do encontro da Agapem, eu sei. Logo cumpro o prometido.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Olá Bruna! Faz pouco mais de 10 dias que conheci seu blog. E venho tentando ler um pouco a cada dia, desde o início. Cheguei aqui depois de fuçar no google, leia-se fazer uma consulta virtual, antes de ir ao médico. Descobri que quase todos os meus sintomas são de esclerose múltipla. Depois de me desesperar e ficar aguardando a consulta a médica me pediu dois exames: ressonância cerebral e cervical. Eu já cheguei em frangalhos psicologicamente ao consultório porque "achava" que poderia ser ELA. Seja o que for, estou prestes a descobrir. Mas o que tenho encontrado aqui são palavras encorajadoras de quem convive com a EM e que seu mundo não acabou. Estou feliz por ter encontrado seu blog, com tantas informações, tantas palavras que fazem refletir. Sinceramente, sei que todo mundo vai achar uma enorme ignorância de minha parte, mas eu torço para que seja EM. O pânico de pensar na possibilidade de ELA já me fez perder 2kg em 15 dias. Quando eu tiver o resultado dos exames pretendo voltar e comentar sem ser no anonimato. Te desejo muito sucesso! Abraços!
ResponderExcluirObrigada pelo carinho!
ExcluirMomento de apreensão muito grande né? Vou ficar na torcida para que venhas o melhor pra ti e rezando para que tenhas serenidade.
A boa notícia é que a ELA já tem um controle muito maior hoje em dia do que há alguns anos atrás. Já há casos de sucesso com tratamento de ELA no Brasil.
Mas, não fiquemos sofrendo por antecedência pensando em um ou outro diagnóstico. Seja o que for, sinta-se a vontade pra vir aqui sempre!
Bjs
Muito boa a tua atualização, Bruna! Essa coisa da imprevisibilidade realmente é muitas vezes paralisante, não acha? E é justamente isso que a gente tem que tentar deixar de lado! Conviver com o que há e não com o porvir: lidemos com o futuro quando ele estiver presente. Mas confesso que não é nada fácil. Tem sido uma labuta diária para tentar esquecer o futuro e viver o presente que, por enquanto, está ótimo. Bjs, Tiago Rodrigo.
ResponderExcluirOi Tiago, depois de quase oito meses do diagnóstico eu sinto que estou voltando ao meu "normal" emocionalmente falando... graças a Deus estou muito bem e sem sequelas, nem tenho mais febre depois que faço as aplicações...
ExcluirAprendi a respeitar os meus limites, parei de me cobrar tanto, pois isso estava acabando comigo e eu chorava muito. Como falo no comentário abaixo, consegui reduzir meu horário no trabalho mas até chegar aqui teve um processo muito grande de conscientização... e assim vamos né... afinal o futuro a Deus pertence e é assim até pra uma pessoa (podemos dizer 'normal') que não tem EM...
Bjs.
Suzana
As vezes até mais paralisante que a própria doença. É isso aí, vamos lidando com o presente que está maravilhoso!
ExcluirBjss
Oi Bruna... que post fantástico!!! Parabéns...
ResponderExcluirMe emocionei ao ler a parte em que vc diz sobre a rotina familiar... isso vem de encontro com o que comecei a vivenciar essa semana, redução de horário de trabalho... reduzi duas horas/dia, tivemos que rever muitas coisas aqui em casa, mas graças a Deus deu tudo certo. Tô amando entrar às 9h30 da manhã (to até me achando madame kkkk).
Sabe o que veio a minha cabeça quando terminei de ler??? que estamos servindo de cobaia rssss... brincadeira, mas como vc disse que médicos, fisios se embananam pensei isso na hora... mas graças a Deus a medicina está avançando e quem sabe daki uns 15 anos teremos a notícia da cura da EM...
Fiquem com Deus!!!
bjooo
Como é bom saber que pra todos nós, as coisas vão se ajeitando. Divas são assim, chegam uma hora mais tarde...eehheeh
ExcluirÉ isso aí... quem sabe mais uns 15 anos e estaremos rindo disso tudo.
Bjs