domingo, 12 de janeiro de 2014

Sobre a menina com autismo da novela

Reproduzindo o que escrevi no facebook sobre a personagem da novela:

A novela é uma porcaria, mas pior ainda são os comentários que tô lendo por aí...
(desabafo de quem estuda -deficiência e telenovela - e vive isso todos os dias)
Tô vendo uma cambada de gente aí comentando a personagem autista da novela das nove. E dizendo que as pessoas tem preconceito por não deixar o tal do Rafael beijar a Linda. Bom, minha gente, até onde eu sei a Linda representa uma menina autista, com sérios comprometimentos e legalmente interditada. Isso quer dizer que ela não tem condições de discernir muitas coisas nem de assumir consequências de um relacionamento. Claro que ela tem sentimentos e pode sim gostar de um homem. Mas dizer que os pais estão errados porque não querem esse relacionamento é algo complicado. Do ponto de vista legal, é como você deixar seu filho de 5 anos se relacionar com um adulto. Não vejo a novela, vi só o pedaço do capítulo depois de ver comentários do tipo "a família dela é preconceituosa". Não sei como são os personagens fora dessa cena, mas vamos analisar o fato colocado em pauta de discussão.A questão não é tão simples como se apresenta na novela não. Não se enganem. Culpar a mãe por não saber criar a filha é fácil. Quero ver criar uma pessoa com deficiência intelectual em casa.Digo por experiência própria aqui de casa que falar é absurdamente fácil. Mas na hora que é com alguém que a gente ama a coisa muda.Tenho uma amiga que sempre diz "eu era uma ótima mãe, até ter meu filho".Já vi muita gente dizer que a minha mãe é super protetora e que a minha irmã não é mais independente porque a gente não deixa.Lógico que as mesmas pessoas não passaram nem 24h com a gente pra saber que a mana não tem capacidade pra atravessar a rua sozinha. Nem pra saber que se a gente não trocar a roupa dela, ela vai andar com a roupa suja e vai achar que está tudo bem. E não é por falta de tentar ensinar, de deixar pra ver o que acontece e de desespero nosso não. Deixá-la sozinha é uma irresponsabilidade tão grande quanto deixar uma criança de 5 anos. Não, ela não tem 5 anos, nem a tratamos como se tivesse, mas temos que agir pensando que mesmo tendo 30, sua capacidade cognitiva não é o da maioria das pessoas de 30. Querer achar que é tudo a mesma coisa e tratar da mesmíssima forma que eu trataria qualquer pessoa de 30, isso sim é excludente, seria cruel e preconceituoso, pois ela jamais atingiria as expectativas que temos de uma pessoa de 30. Uma coisa que vocês, que estão aí dizendo um zilhão de bobagens não entendem, é que a capacidade de análise de riscos, consequências e mesmo de projetar o futuro de uma pessoa com autismo, deficiências intelectuais e/ou algumas doenças mentais é alterada. E que não se pode analisar esses fatos a partir de uma visão romântica e desassociada do contexto em que essa pessoa vive. Antes de falarem, pelamordedeus, pensem!O que falta nas novelas é justamente o pensamento profundo, a discussão séria sobre as coisas. Se a sociedade aceitar esse raciocínio raso sem questionar, sem discutir, fica difícil né.Mas sabe o que é mais triste? Ver gente que diz aí todos os dias que tá lutando pela conscientização das pessoas sobre suas doenças/deficiências e na hora de falar da condição do outro não vai atrás de informação que preste. CHEGA DE LUGAR COMUM!


#prontofalei

Então, algumas pessoas acham que o problema é a falta de desenvolvimento dela, certo? Sim, ela talvez poderia ter se desenvolvido mais. Mas o fato é que ela não se desenvolveu. E devemos lidar com o que está acontecendo e não com o que poderia ter acontecido. O fato é que a personagem não tem essa capacidade. Pode desenvolver? Talvez sim, mas tem que esperar isso acontecer para daí sim ver o que acontece. Dizer que a menina não se desenvolveu por falta de apoio da família é como dizer que eu não me curo por falta de força de vontade. Mesmo que seja por falta de informação da família, culpar pessoas que já estão sofrendo pelo próprio sofrimento é no mínimo cruel. Claro que existem casos e casos, mas esse caso mostra uma menina que está sim incapaz. Claro que é uma obra de ficção, mas como obra de ficção num meio de comunicação de massa, deveria ter um compromisso social. Não podemos concordar que um produto como esse continue perpetuando estigmas e estereótipos. E como se trata de um problema mental, as pessoas acham que é só falta de força de vontade mesmo. Queria ver se eles colocassem que a culpa da Paulinha ter Lúpus era porque ela era adotada...aí o grito ia ser grande, né? A verdade é que as pessoas pouco entendem sobre os problemas mentais. Inclusive os médicos. E quanto menos se entende, mais bobagens se permite falar sobre.

Além do mais, não cabe a mim, nem a ninguém julgar a forma como uma família lida com isso. Afinal, todo mundo sabe melhor como lidar com a minha esclerose né? Todo mundo sabe melhor como lidar com uma doença que não é sua. Acho o seguinte, não sabe o que falar, fica quieto. Imagino que seja muito tentador achar essa história o Romeu e Julieta do século XXI, mas vamos colocar a cabeça pra funcionar. Vamos nos colocar no lugar de quem passa. Sim, existem autistas com condições de vida autônoma, mas não é o caso da personagem apresentada. Então, que tal parar de dizer que todo autista que não é independente é por culpa da família? Que tal deixar essa crueldade de lado? Que tal termos mais compaixão?
Porque mesmo quem fala: fica claro que foi falta de apoio da família! Bom, mesmo sendo ficção, telenovela, não aparece a vida inteira dos personagens, desde o nascimento, 24h por dia do que aconteceu até aqui, certo? 
Nós e essa nossa incrível mania de achar que conhecemos tudo da vida do outros e, por isso, podemos julgar.
E que tal pararmos de aceitar representações ruins de doer? Olha, nem vou comentar a representação do Antônio Fagundes cego porque aí sim a coisa vai feder...

E quem quiser entender um pouquinho mais sobre representações, estigma e telenovela, sugiro a leitura da minha dissertação de mestrado: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4035

Beijinho no ombro!

Um upgrade no post, deem uma olhada nesse post aqui que tá massa: http://scienceblogs.com.br/odiva/2014/01/e-a-moca-autista-da-novela-heim/?fb_action_ids=10200544896544221&fb_action_types=og.likes&fb_source=other_multiline&action_object_map=%5B626901574022919%5D&action_type_map=%5B%22og.likes%22%5D&action_ref_map=%5B%5D

19 comentários:

  1. Olha eu não assisto novela já faz tempo,cheguei a conclusão que não acrescenta nada na minha vida e adorei o beijinho no ombro,bjo,Zildinha.

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  2. Ola Bruna!!!Adorei sei post,bom essa novela na minha opiniao ta eh muiito estranha, primeiro por falar do lupus e sitomas iniciais etc nao mostra nem a metade como eh claro q existe varios graus da doenca mas nao souberam explicar,em questao da personagem autista,afee fico indignada d ver pois ja trabalhei com aluno autista a idade cronologica dele era de 16anos e mental de 7 ele fazia acompanhamento com varios medicos,a familia sempre fazia o possivel para ele levar uma vida normal, era um rapaz lindo alto etc.. mas brincava junto com as outras crianca de 5a 7 anos era um aluno q eu tinha q ter a atencao redobrada,jamais os pais desse me ex-aluno iriam deixa ficar namorando e talz na novela deveria mostra a personagem mais desenvolvida e capaz de assumir algo ah sei la....mas oq me irrita ver na trama eh o tratamento da mae...bom fazer oq o povo q nao tem conhecimento,fica achando q tudo q a tv mostra eh certo!!!!

    #voficasusse #essas coisas sao f***rsrss...desculpe gente rsrs

    Bjinhooos
    Pam

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  3. Bem, vou por a mão nesse vespeiro! O tema da novela sobre altismo até que é aceitável, demonstrando que a família não pode desistir de sempre incentivar mais e mais a pessoa altista, permitindo dessa forma que ela fique o "mais possível" independente de algumas atividades cotidianas. Com relação ao advogado que a insere neste contexto nada contra, porque a família "da novela" a tratava como uma deficiente completamente incapaz. O autor tenta mostrar que há esperança para as famílias que se interessem em de fato ajudar o ente querido. Já com relação ao relacionamento entre os dois, por óbvio que é impossível, e qualquer advogado sabe disso (o que ofende a inteligência comum do telespectador). A garota, do ponto de vista legal, é incapaz, portanto, qualquer envolvimento amoroso com ela é considerado crime passível de punição. Contudo, entendo que o autor está se dando uma "licença poética" ao mostrar que existem relacionamentos platônicos. Infelizmente, o nosso povo mistura muito verdade com fantasia. Novela é fantasia e deve-se assisti-la com parcimônia nos julgamentos. Bem, essa é a minha opinião.

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    1. É por despertar algumas opiniões assim que eu acho perigoso tratar o assunto com tanta leviandade. Mas, tudo bem né...cada um com a sua opinião.
      Queria ver se a licença poética do autor fosse colocando a culpa da EM nas mães dos portadores... aí não seria tão bonito né?
      Bjaum flor!

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    2. Pegou pesado hein Bruna! Não falei que era bonito, nem que concordava. Falei que era uma novela, e como tal não pode ser levada tão a sério como os brasileiros fazem. Mas tudo bem, fica com Deus.

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    3. Peguei pesado porque a coisa é séria Marlene!
      Claro que o ideal seria as pessoas terem as informações corretas e tratarem a novela como uma distração cheia de mentiras.
      Mas o fato é que as telenovelas utilizam do recurso da verossimilhança, que nada mais é do que o efeito de verdade. E nós vivemos numa sociedade midiática, o que aparece na TV é tomado como realidade.
      Se a gente deixar discursos distorcidos passarem só porque tá bonitinho, as coisas degringolam. E, claro, quando toca naquilo que nos fere, a gente grita. Quando é no que fere os outros, a gente acha mais fácil deixar quieto. Por isso fiz essa comparação, pra vc sentir como é diferente quando toca na gente.
      Bjs

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    4. Meu marido foi morto por dois bandidos que hoje estão soltos cometendo mais crimes. Eu nunca deixei de assistir a filmes, novelas ou mesmo comédias que utilizam o tema violência com leviandade ou mesmo distorção, porque, como disse e repito, sei que é arte (boa ou ruim é arte). E, desde que meu filho foi diagnosticado, lidando diariamente com pessoas instruídas ou não, a única pessoa que usou isso para me magoar foi exatamente você. Que Deus a ilumine e a alivie de toda essa revolta, porque ela sim faz mal à saúde.

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    5. Marlene, querida, definitivamente minha intenção não era te magoar. Me desculpe.
      Acontece que a grande maioria das pessoas não sabe diferenciar arte de vida real e isso prejudica demais a gente. Se você não se sente prejudicada, que bom. Mas citei o exemplo porque mais dia, menos dia, vai aparecer uma representação lixo da EM por aí.
      Ah, e eu acho sim que a arte (e qualquer ação humana) tem uma função social que deve ser muito bem pensada.
      Não to revoltada não Marlene. Só quero que as coisas , mudem. E as coisas não mudam sem que se fale a verdade.
      Acho que se eu me acomodasse e ficasse quieta, aí sim faria muito mal a minha saúde.
      Não é nada pessoal. Você sabe que te adoro. Só que nesse ponto, discordamos.
      Bjs

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  4. Oi Bruna
    Acho tão lindo o que você escreve... acho sensacional mesmo! Você tem uma doença que, para muitos, seria motivo para se entregar, mas você vive a vida tão intensamente! Não tenho esclerose e também não tenho nenhum parente ou conhecido com a doença, cheguei ao seu blog por acaso e agora não perco uma postagem!
    Beijos,
    Poliana

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    1. Sério Poliana? Tenho leitores não ligados a EM? Nossa! Fiquei super feliz com as tuas palavras!
      Obrigadão! Ganhei o mês!
      Bjs

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  5. Viva a Bruna!!!! Que nos ajuda, nos q somos portadores de EM,e ajuda tbm quem nao tem doenca nenhuma!!!

    Pam

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  6. Sobre:"Mesmo que seja por falta de informação da família, culpar pessoas que já estão sofrendo pelo próprio sofrimento é no mínimo cruel."

    É Bruna, infelizmente é isto o que ocorre: falam que nós doentes nos fazemos de coitados. Colocam a culpa da doença em nós mesmos.

    E viva a Bruna sempre, pois fez e faz que todos, doentes ou não doentes, possam nos entender.

    Que Deus te acompanhe, beijos.

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    1. Obrigada Lorena! Não só pelo elogio (que me deixa "me achando"), mas por me entender também!
      Bjs

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  7. Bruna!
    Se a consultoria jurídica das novelas da Globo, há anos, não consegue acertar uma, vinculando nosso sistema muito mais ao americano - mais parece que as personagens vivem em Miami que no Rio -, imagina como é a consultoria médica deles para tratar do transtorno do espectro autista!
    Depois de alguns anos, aliás, essa foi, juridicamente, uma das novelas mais consistentes e coerentes com o processo brasileiro, mas mesmo assim tem diversos problemas. Para se chegar a isso, foi um processo de 20 anos ou mais! Imagina na medicina, cuja novela deve ser a segunda ou terceira a abordar aspectos mais humanos e de inserção social de pessoas com doenças... Quem sabe daqui a uns 20 anos...
    Bjs,
    Tiago

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    1. Vamos ter que aguardar...a esperança é a última que morre né? Quem sabe daqui uns 20 anos eu escreva uma nova dissertação, dizendo que o que eu escrevi em 2012 é coisa do passado...que isso não acontece mais...
      Bjs

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  8. Oi Bruna, td bem? Eu tb to pensando em fazer reposição de vit D, parece que tem bastante gente fazendo (principalmente fora do país), mas tenho uma dúvida: como vc faz para saber que tá precisando, pq vc escreveu ali que só toma qd precisa. O que eu vi o pessoal fazendo é tomar uma dose diária x e fazer um exame a cada 6 meses, pra ver se precisa mudar. Vc fica fazendo exame? O meu neuro não ffalou nada sobre isso ainda, acho que vou ser eu que vou ter que pedir. Bjinhux

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    1. Eu faço as dosagens de 3 em 3 meses. Existe um consenso, dentro da academia brasileira de neurologia (parece que um novo está saindo esse ano), sobre a dosagem ideal de vitamina D pra quem tem doença autoimune. Conversa com teu médico sobre isso ; )
      Bjs

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  9. A Televisão leva uma carga enorme de "informações" a pessoas esclarecidas e não esclarecidas que, muitas vezes, não sabem distinguir a ficção da realidade.
    Penso que cabe aos autores, produtores e diretores dos programas, sejam de ficção ou não, ao abordarem assuntos delicados como as doenças no caso, pesquisarem profundamente o assunto e colocarem médicos de verdade, para explicarem caso a caso e pacientes para darem seus depoimentos, na novela ou qualquer programa que seja. Do contrário acho preferível não abordar o assunto.
    Quando assistimos uma novela é impossível não nos identificarmos, pelo menos um pouquinho, com um ou outro personagem. Isso faz parte da natureza humana. E em se tratando de uma doença, sempre haverá um portador que conhecemos, ou nós mesmos podemos tê-la. O que torna impossível não esperarmos que seja relatada com cuidado e veracidade.
    Sabemos que é ficção... adoro! Mas deveriam colocar um texto antes e depois da exibição de cada capitulo dizendo: "Esta é uma obra de ficção, mentirinha sabe?!! Então, por favor, não levem a sério as bobagens que dizemos."
    É a minha opinião... pronto falei! E como falei kkkkk...
    Beijinhos,
    Neyra.

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