quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A palavra do dia é: CA-PA-CI-TIS-MO

Oi gentes, tudo bem com vocês?
Por aqui tudo ótimo. Nenhuma roupa mais me serve (falarei disso no vídeo de amanhã), mas estamos contentes e contando os dias para a chegada do Francisco.
Até ontem também estava contando os dias para o início das Paralímpiadas aqui no Brasil. Como eu tinha contado aqui pra vocês, eu tinha me inscrito pra ser voluntária nesses jogos. Parei de fazer os treinamentos online quando descobri que estava grávida, fiz as contas e vi que não poderia mais viajar de avião na época dos jogos.
Enfim, estou acompanhando pela TV, naquele um mísero canal que a SporTV tá passando ou no Canal Brasil, que passa só algumas coisas e acompanhando via twitter e facebook o desempenho dos nossos atletas.
Ontem tivemos uma belíssima cerimônia de abertura. Belíssima e emocionante. Não sei se porque eu gosto tanto dos jogos paralímpicos, mas me emocionei demais desde a hora que o despertador do Sir Philip Craven tocou em ritmo de bossa nova. Mas, apesar de belíssima, pra quem viu na TV era excludente: não teve audiodescrição, nem legendas nem janela de libras. Mas pra que tu queria tudo isso Bruna? Porque meus amigos cegos e com baixa visão mereciam saber o que estava acontecendo através da audiodescrição das imagens, porque meus amigos surdos não usuários de Libras queriam saber o que estava sendo narrado e meus amigos surdos usuários de Libras também.
Fiquei com um olho na tv e outro nas redes sociais, lendo o povo reclamar que não tava passando em tv aberta. Belíssimo exemplo de exclusão desses canais que adoram falar de inclusão e colocar pessoas com deficiência como "exemplos de superação" na tela, dramatizando suas vidas para emocionar e fazer as pessoas que se acham muito normais darem "valor a suas vidas" (olha eu aqui revirando ozóio pra isso tudo), não passar a abertura de um dos maiores eventos esportivos que esse país já sediou, com certeza o que teremos maior número de medalhas.
Aí hoje de manhã tava lá na Namariabraga eles falando de uma abertura que ninguém viu, porque a Globo achou melhor passar suas novelinhas e um jogo de futebol podre.
Bom, mas eu fiquei vendo no SporTV. E confesso que dava pulos a cada comentário capacitista e, desculpa aí gente, muito burro dos comentaristas. Só essa transmissão já dava uma tese de doutorado. Eu ouvi "presos a sua cadeira de rodas", eu ouvi "exemplos de superação", eu ouvi "superhumanos", eu ouvi "imperfeitos buscando a perfeição", eu ouvi "que sofrem de"... e a coisa só piorava.
Aí nas redes sociais um bando de ovelinhas reproduzindo esses comentários... tava de doer o coraçãozinho. E eu do sofá de casa: imperfeito? Imperfeito teu c*! Presos? Como assim presos? A cadeira é liberdade, é autonomia minha gente! Sofrem de? Quem sofre aqui sou eu tendo que ouvir isso tudo...
Minha vó tava na sala... e cada delegação de atletas que entrava ela soltava um tadinho pra algum deles... não me guentei e disse que ela seria expulsa da sala no próximo tadinho.
E quando a esplendorosa Marcia Malsar caiu? Aaaaah... choveu de gente comentando que ela precisava de um acompanhante ou que ela não devia fazer aquilo. Sério?
Bom, acabou a cerimônia com um misto de emoção, felicidade e de "temos muito trabalho pela frente".
Acho que os profissionais de mídia (e todo ser humano na verdade), deveriam ler o manual Mídia e Deficiência antes de abrir a boca pra falar publicamente sobre deficiência. (Tá disponível aqui, leiam!). E acho que todo mundo devia se informar mais sobre o assunto. Porque ontem vi muita gente dizendo: mas Bruna, as pessoas não sabem disso tudo, dessa história do movimento da pessoa com deficiência. Não sabem porque não querem! A informação tá aí disponível e acessível para todos! Acho muito engraçado que durante quatro anos ninguém se interesse por saber nada sobre deficiência, aí chega no dia da abertura dos Jogos Paralímpicos e reclamam porque a cerimônia tinha muitas referências que só quem tem ou estuda o movimento sabe. Não sabe porque não quis saber, não quis aprender, não quis ler, não quis conversar com ninguém... Há quem diga que é por falta de tempo... cansei de ouvir professores de escolas dizendo que não entendem de inclusão porque não tem tempo. E eu sempre lembro do mantra que minha mãe me ensinou: tempo é questão de preferência minha filha!
Acho que o capacitismo precisa acabar. Ontem!
Mas o que é CAPACITISMO Bruna?
Bem, vamos lá, que ninguém nasce sabendo: capacitismo é a discriminação direcionada às pessoas com algum tipo de deficiência em virtude de sua condição. Chamar de coitadinho, achar que ali não é seu lugar, achar que toda pessoa com deficiência tem que ter um "responsável" por ela, achar que toda pessoa com deficiência sofre, que a falta de uma função é imperfeição, tudo isso é sim discriminar. Ah, e parem de falar pessoas especiais, pessoas com necessidades especiais, portadores de... especiais todos somos pra alguém e portador é quem pode deixar de portar... ninguém diz que porta olhos azuis né? Digam o nome certo, percam o medo da palavra deficiência. É: pessoa com deficiência. Não se preocupem, deficiência não é o contrário de eficiência. O contrário de eficiência é ineficiência. Deficiência é sinônimo de perda de alguma função apenas. Então, a pessoa é, primeiro uma pessoa que tem uma deficiência. Se ela vai ser especial pra você ou não é outro assunto.
Ah, e essa coisa de exemplo de superação é um saco. Só serve para quem não tem alguma deficiência se sentir melhor (ou pior) com a vida que tem. Essa coisa de: apesar da deficiência ele foi lá e venceu; isso também é capacitismo, porque você está vendo a deficiência e não as capacidades da pessoa.
Ontem, naquelas delegações todas que entraram, eu não vi exemplos de superação de vida, eu vi muitos atletas de ponta que estão lá, buscando medalhas e vitórias nos seus esportes.
É mais difícil porque tem uma deficiência? Sem dúvida é, porque o mundo não é pensado para que a pessoa com deficiência tenha autonomia. Porque as pessoas ainda acham que quem tem uma deficiência devia mais era ficar em casa, pra não incomodar. Porque acham que, gente como eu, que fica exigindo acessibilidade em todos os lugares é chata.
Sou chata mesmo. E se reclamar, vou ser mais chata ainda. Porque eu quero ter o direito de conviver com todas as pessoas que eu gosto, tenham elas ou não uma deficiência. Eu quero pode convidar um amigo cadeirante, cego, surdo, tetra, para, hemiplégico pra sair sem me preocupar com a forma como vamos sair, passear e curtir a vida. Eu quero que meu marido possa levar nosso filho passear sem ninguém falar "olha que bonitinho", como se os dois fossem crianças, nem que achem que nossa vida é uma vida de sofrimento.
Eu quero mesmo é ver os jogos paralímpicos serem disputados junto com os olímpicos. As pessoas dão a desculpa da logística, porque tem que adaptar os lugares pra pessoa com deficiência. Oi? Sério isso? Sejamos honestos, um lugar 100% acessível é adequado para pessoas com e sem deficiência. O que falta é vontade mesmo.
Mas, como eu disse, temos muito trabalho pela frente.
E bóra torcer pelos atletas brasileiros!
Bjs

10 comentários:

  1. Estava sentindo falta de seus textos.
    Esse, pra variar, é fantástico

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    1. Que delícia de comentário! Obrigada pelo fantástico!
      Também estava sentindo falta deles ;)

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  2. "Não sabem porque não querem! A informação tá aí disponível e acessível para todos! Acho muito engraçado que durante quatro anos ninguém se interesse por saber nada sobre deficiência, aí chega no dia da abertura dos Jogos Paralímpicos e reclamam porque a cerimônia tinha muitas referências que só quem tem ou estuda o movimento sabe. Não sabe porque não quis saber, não quis aprender, não quis ler, não quis conversar com ninguém... Há quem diga que é por falta de tempo... cansei de ouvir professores de escolas dizendo que não entendem de inclusão porque não tem tempo. E eu sempre lembro do mantra que minha mãe me ensinou: tempo é questão de preferência minha filha!"

    Perfeito, Bruna! Seria maravilhoso se todos lessem o seu texto! Ontem mesmo, comentei algo parecido em uma postagem de meu pai no Facebook. De fato, todos nós somos especiais para alguém, por algum motivo e atribuir esta palavra de forma pejorativa - ou, como você mencionou, por influência do capacitismo - é apenas uma forma de tornar alheio o que está muito mais próximo de nossa realidade do que se pensa (ou do que muita gente prefere acreditar, por comodismo). "Exemplos de superação" todos podem ser, a qualquer momento de suas vidas. Aliás, seria ótimo se as pessoas que não querem saber nada sobre deficiências e outras características dessem um grande exemplo de superação e lessem blogs como o seu, fossem estudar e passassem a ouvir mais as pessoas em geral, afinal, todos nós somos imperfeitos... buscando a perfeição. O que não podemos é ficar presos a nossos preconceitos.
    Parabéns pela postagem! Vou compartilhá-la no Super Specialis, tudo bem?
    Beijos!
    Carmem.

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    1. Obrigada Carmem pelas palavras. É tão bom não se sentir sozinha na luta!
      Claro que pode! É uma honra!
      Bjs

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  3. Maravilha de texto Bruna!
    Assino embaixo.
    Também acho que deveria ser uma única olimpíada.
    E os canais da TV aberta não estarem transmitindo é imperdoável, puro preconceito.
    Beijos meus amore, Bruna, Francisco e Jota <3
    Neyra.

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  4. oi Bruna, um testo bem lúcido! Obrigado por nos alertar!

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  5. Estou lendo em 28/09. Já acabaram os jogos. Mas fica a lição de suas palavras pra minha vida!

    Obrigado

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  6. Estou lendo em 28/09. Já acabaram os jogos. Mas fica a lição de suas palavras pra minha vida!

    Obrigado

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