sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Quando a esclerose me tirou o "quando"


Oi gentes, blz?
Eu sei... fiquei uma semana sem escrever e alguns se preocuparam achando que eu tivesse derretido. Quase isso... o calor foi tanto nos últimos dias que não tinha energia nem pra ficar sentada digitando. E ontem, que eu pensei em escrever um texto, queimei o dedo na cozinha. Então, ficou pra hoje mesmo.
Bom, mas nessa semana que passou, respondi uma entrevista sobre ter esclerose múltipla que vai sair num site de saúde (assim que sair eu coloco o link) e era voltado ao trabalho e tal. Eu gosto de responder essas entrevistas porque acabam despertando memórias que estavam ali escondidinhas no fundo da gaveta.
Pois bem, uma das perguntas era: Tem alguma coisa que você goste muito, mas que precisou se privar? Como lida com essa falta? 
E essa pergunta veio muito ao encontro de uma pergunta de um leitor do blog, que meio que brigou comigo porque eu nunca fico brava com a EM.
Tá brincando? Eu fico putíssima com a EM quase todos os dias! Mas, enfim, ficar esbravejando não adianta. Nem passar os dias tentando dormir pra vida passar mais rápido, nem fazer coisas que não consigo só pra me frustrar, nem arrancar todo o papel de parede do quarto pra passar o tempo. Já fiz tudo isso e, adivinhem, a EM não me deixou. 
Mas, voltando a pergunta da entrevista, sim e não. Agora momento de volta ao túnel do tempo pra explicar essa resposta.
Eu sempre achei dança uma coisa muito bonita, mas não achava que ficaria legal com roupa de bailarina, era delicado demais pra mim. Quando era bem pequena fiz patinação artística. Depois de muito roxo nos joelhos eu parei. Nunca fui boa em esporte. Só em caçador...porque sou uma exímia fugitiva da bola...hehehehe. Mas eu gostava de dança.
Aí, um belo dia, levando minha irmã à aula de ballet vi uma turma de dança do ventre. As mulheres da turma eram bem mais velhas e ali eu não me sentia mal com meu corpo (eu era meio rechonchuda). Com 12 anos comecei a dançar. E como eu já tinha a altura que tenho hoje, entrei pra companhia de dança de ventre no ano seguinte. 
Eram muitas horas de ensaio, muitas horas de aula, alongamentos, viagens, apresentações. Enfim, era bastante divertido. Às vezes dava uns estresses na companhia por conta de vaidades e picuinhas, mas eu não me metia e ia pela diversão pura. 
Quando eu tive o diagnóstico, eu estava bem fisicamente. Fazia as pulsos e voltava à rotina de ensaios. Mas aí, quando eu tive aquele surto monstro, que me tirou o controle de membros, eu acabei precisando de maior tempo de recuperação. Depois de estar me sentindo melhor, conseguindo ficar de pé e tudo mais, tentei voltar pra dança. Mas se antes eu fazia aulas todos os dias, quando voltei eu não aguentava o ritmo de uma aula inteira. 
Eu ainda conseguia dançar, sabia o ritmo, o movimento, mas meu corpo cansava muito rapidamente e eu vi que eu até poderia dançar de novo, mas não seria como antes. Eu não podia exigir o nível de perfeição que eu exigia antes. E os giros que eu adorava fazer, esses estavam fora de cogitação mesmo.
Na época que eu decidi parar eu tinha uns 17 anos. Foi bem difícil porque era uma mudança de rotina. No início eu não conseguia ver apresentações de dança que eu chorava como uma condenada. Aí, num dia, num acesso de raiva, joguei todos os cds de dança e as medalhas de competições no lixo. Vendi algumas roupas, outra eu dei pra minha prima e da dança do ventre ficaram só uma roupa (a da foto ali embaixo), um par de snujs, algumas fotos e as lembranças.

Então a EM tirou a dança da minha vida? Olhando por esse lado, sim, a EM tirou a dança da minha vida. Pelo menos a dança profissional porque em casa eu to nem aí e danço pras paredes.
Mas, pensando bem, não foi a EM que me tirou a dança. O tempo foi passando, a raiva se amenizou e eu fui me interessando por outras coisas. Com o tempo eu vi que eu ia parar de dançar de qualquer jeito. Com ou sem EM, eu ia acabar deixando essa coisa de dança profissional de lado. 
Então, o que a EM me tirou, de verdade, foi a possibilidade de poder escolher o quando isso aconteceria. Ter que deixar coisas no caminho faz parte da vida, mas a dor me parece ser menor quando é a gente que escolhe o momento de deixar isso pra trás. Me parece mais leve se for a gente a escolher quando é o melhor momento, quando estamos preparados. E quando falamos em doenças, esse quando nunca chega, porque não estamos preparados pra ela. 
Eu parei de culpar a EM pela falta da dança na minha vida há algum tempo já. Apesar de, quando alguém me pergunta concretamente algo que eu gostava e a EM me tirou, eu respondo a dança. Mas lá no fundo eu sei que ela não me tirou isso... ela me deu a oportunidade de aprender que eu não tenho o controle da minha vida. Isso pode parecer ruim para algumas pessoas. Eu acho libertador. 
Lembram quando eu falei, naquele post recente do diagnóstico, que é preciso olhar pro passado com carinho e pro futuro com esperança? Então, acho que tomar a consciência de que eu não controlo tudo me faz ter esse olhar. E hoje eu digo mais: É preciso olhar pro passado com carinho, pro presente com gratidão e pro futuro com esperança. 
Aí entra novamente o rapaz que brigou comigo por eu não ter raiva da EM. Claro que eu tenho. Ela me faz sofrer. Ela faz pessoas que eu amo sofrerem. Ela causa dor. Ela machuca. Ela me incapacita. Mas sempre que eu fiquei só sentindo raiva dela eu sentia mais dor, menos entendimento e não conseguia ver o que tinha de bom para além dela. 
Eu não gosto de ter esclerose múltipla. E desejo que um dia ela não mais exista. Mas eu não posso, nem quero, nem vou gastar meus dias sentindo raiva de algo que eu não posso controlar. Prefiro utilizar esse tempo com amor, carinho, amigos, família. Coisas que me fazem bem. E que me fazem ver que nem toda "perda" é tão ruim assim. 
Até mais!
Bjs

Em tempo: a Tuka, do Ktralhas tá tentando reunir as pessoas com EM de Cachoeira do Sul pra montar um grupo de apoio. Interessados entrem em contato com ela: http://ktralhas.blogspot.com.br/2014/01/rede-de-apoio.html

20 comentários:

  1. Querida Bruna, ao ler suas mensagens me lembro do livro da Polianna, uma dose de Bruna por dia, sempre uma pílula de estímulo de positividade, parabéns!

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  2. Bruna, eu descobri ha 6 meses q sou portadora de E.M., e como eu sou enfermeira aposentada, pois tbém tenho um tumor cerebral, meningioma, q não pode ser operado, eu entrei de cabeça na dança, eu faço dança cigana e flamenco, tenho medo de um dia não poder mais dançar.... a dança eh tudo q eu tenho, já que sou sozinha e tenho q enfrentar a E.M. sem o apoio de ninguem, a dança se tornou minha unica companhia e alegria, e sempre q a aula termina, vem um sentimento de despedida, as vezes eu olho as alunas mais velhas, eu tenho 35, e fico pensando: Será q um dia eu vou ter essa idade e ainda vou estar dançando??.... no fundo, eu sei q não!! e isso p mim eh a pior coisa de se ter E.M., não saber como eu vou estar daqui alguns anos, eh não ter mais o direito de planejar o q vou fazer daqui p frente...

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    1. É Allana, não é fácil. Mas pense que, se você descobriu a dança pra te ajudar, você pode descobrir outras coisas pra amar tanto quanto a dança no futuro. Não dá pra se prender ao passado nem ao que não podemos fazer.
      Eu sou feliz porque tive a oportunidade de dançar por uns anos. Podia nunca ter dançado na vida né? Então o negócio é ficar feliz pelo que pôde fazer e mais feliz ainda pelo que ainda se tem pela frente.
      Bjs

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    2. Oi Allana!
      Eu tava dando uma olhadinha nos depoimentos do blog e gostaria de te dizer que vc não esta só! vc tem um montão de gente por aqui que com certeza se preocupa com vc, pq a maioria de todos estão numa situação semelhante.
      Se vc precisar emocionalmente de alguém tenho certeza que por aqui vão se formando laços imensos, agora precisamos pensar no lado prático tipo: procurar uma enfermeira legal pra um momento de apuro, verificar se o espaço físico da casa tá legal,enfim... essas coisas que se não temos mãe precisamos nos preocupar e arrumar.
      Não se esqueça vc e ninguém por aqui esta só.
      bjão

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    3. É isso mesmo Monica! Obrigada pelas palavras!
      Sozinhas não estamos mais... e realmente, se preocupar com as coisas práticas do dia a dia e tentar resolvê-las é melhor que lamentar as perdas.
      Bjs

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  3. Bruna, adoro tudo oque voce escreve!!! Voce fala tudo com leveza, deixa tudo mais lindo para mim!!! eu dancava ballet adorava, comecei com 5 anos e com 15 anos quando descobri que tinha Lupus parei de dançar por dores nos joelhos internacoes e etc....e acabei ficando a cima do peso, bom fiquei revoltada porque era meu sonho eu treinava todos os diaas de 6 a 8 horas por dia!!! joguei minhas roupas foras cds e tudo mais...rsrsrsrs. Hoje fui na nutricionista e estava conversando com ela a respeito do que eu gosto de fazer de qual tipo de atividade fisica..eu disse a Danca!!! mas disse para ela mas eu adoro dancar em casa, estou voltando a gostar de coisas que deixei para traz por conta de doenças... demorouu muuuito, aliais alguns anos ate a E.M chegar e me dizer PAMELA VOCÊ ESTA VIVA, VIVA CADA DIA COMO SE FOSSE O UNICO!!! E estou começando a fazer isso em 2014!!!! Nao gosto de ter nenhuma doença, aliais ninguém gosta, mas ja que nao tem como se livrar dela, vamos curtir a vida !!!

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    1. Histórias parecidas as nossas né?
      A raiva demora um tempo pra passar...mas depois que passa a gente vê que bobeira foi esse período né? Bobo, mas necessário...ehehehhe
      É isso aí Pam, viva cada dia, um por vez e seja feliz em todos eles!
      Bjs

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    2. Bruninha cada dia que passa fico com mais vontade de te conhecer pessoalmente!! rsrsrs sempre falo de voce e de todos do blog para meu marido ele acha mto massa,eu estar interagindo com vcs todos !! principalmente voce!!!! Bom um dia a gente se ve!!!rsrsrsrs

      beijinhoooos Pam

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    3. Também adoraria te conhecer! Vamos resolver isso com uma viagem qq hora dessas ;)
      Bjsss

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  4. OiBruna a tua história e bem parecida com a da minha filha que tb dançava só que ela era primeira prenda do ctg até hoje ela chora quando olha as fotos. Hoje ela tem 22anos e foi diagnosticada aos 17 o ultimo surto atacou o cerebelo e ela agora esta sem caminhar. Doi muito ver ela assim. a EM tirou a dança da minha menina bjos querida.

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    1. É duro mesmo Celoí...vou aí na tua casa pra ela me ensinar a fazer trança no cabelo...acho lindas aquelas tranças de prenda. Eu dancei um tempo em invernada gaúcha (aliás, quase toda menina do interior do RS dançou né...heheehhe), mas nunca aprendi a pentear os cabelos...ehehehehe.
      Celoí, eu tive o diagnóstico com 14 anos, e com 17 também estava sem andar. Esses cerebelos malucos... mas com o tempo e muito trabalho (fisio noite e dia) voltei. Não perca as esperanças não.
      Bjs

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  5. Adoro ler os comentários de vcs...Eu também só portadora de Esclerose Múltipla tenho 33 anos,sonhos que eu tinha foram todos embora..

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    1. Bom, eu tinha o sonho de conhecer o Leonardo DiCaprio quando eu tinha uns 13 anos...esse meu sonho foi embora. Foi embora porque não cabia mais e porque eu troquei por sonhos bem melhores... Lamentar os sonhos perdidos só traz amargura, mas alimentar novos sonhos traz esperança.
      Espero que tenhas sonhos novos ;)
      Bjs

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  6. Bem a EM me tirou mtas coisas,o andar perfeito,nunca saio sozinha pq fico pra lá e pra cá e quem não sabe acha que bebi todas ou que eu sou doida,então sem uma pessoa pra eu me apoiar não dá.Queria fazer veterinária mas é quase impossível e tenho ficado muito cansada e não sei se iria dar conta,então deixa como está.Fico mto triste ás vezes eu choro,mas depois passa e Deus e minha família me faz levantar e seguir em frente,bjos querida.Zildelena.

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    1. Não é fácil né Zildelena... não é mesmo! Mas será que o sonho de ser veterinária tem de ficar pra trás? Talvez, com alguns ajustes na sua vida, contratação de um cuidador pra te acompanhar, fazendo menos matérias acho que dá hein... vamos planejar que eu sonho junto contigo ;)
      Bjs

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  7. Faz pouco tempo comecei a acompanhar seu Blog e cada post gosto mais.
    Sua determinação e força torna lhe um grande exemplo para todos nós !

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    1. Obrigada Angelita! Seja bem vinda! E sinta-se a vontade pra comentar, perguntar, divagar, discordar, etc...
      Bjs

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  8. Bruna, adoro o teu blog! Fui diagnosticada com EM ha cerca de meio ano, apos mais de um ano de consultas e exames infindaveis... Essa semana fui na neuro e ela disse que eh preciso investigar se tenho EM mais uma doenca reumatologica, ou so uma doenca reumatologica. Nossa, tive alguns segundos de imensa felicidade! Imaginar que o diagnostico podsa estar equivocado e que eu talvez nao tenha essa doenca foi maravilhoso! Isso ate eu perguntar a ela o que seria "menos pior" para mim... Nesse momento veio o balde de agua fria: tanto faz... Ainda estou atordoada com isso. Ler seu post hj foi muito importante. Tenho que parar mesmo de me preocupar, agradecer a Deus por ter me dado a chance de ter um filho (meu maior sonho) e tocar o barco com muita alegria!

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    1. Obrigada Liege!
      Bom, realmente ter uma doença reumatológica não é necessariamente menos pior que uma doença neurológica. Tanto uma quanto outra são de difícil tratamento, pouco conhecidas e as doenças reumáticas costumam trazer consigo muita dor e incapacidade, tanto quanto a EM.
      Mas independente do que seja, o importante é saber contra quem está se lutando pra escolher as armas certas. E, bom, com um filho em casa, a melhor arma contra tudo isso sem dúvida é o amor. ;)
      Bjs

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