terça-feira, 7 de janeiro de 2014

"Ninguém é doente por charme"

Oi gentes, tudo bem com vocês?
Por aqui tudo bem... um calor desgraçado, uma fadiga que não vai embora, mas tá tudo sob controle. Ou nem tanto sob controle, mas ainda não bateu o desespero...
Bom, mas hoje estava eu lendo o jornal quando me deparei com a crônica do Carpinejar que me fez voltar aos tempos de escola. Ele escreve sobre uma coleguinha que ele teve, que tinha alguma doença certamente, pois vivia desmaiando. E ele conta como sentia inveja dela... puro egoísmo adolescente, achando que a menina "fazia um charme", que era bacana ter as atenções todas voltadas a ela. Logo ali abaixo você pode ler a crônica que eu copiei pra cá.
Mas antes queria dizer que ter EM na época da escola foi um inferno. Simplesmente porque é um inferno ser o ET da sala. Antes da EM eu era apenas mais uma CDF da sala. Depois da EM eu virei assunto da sala, porque era a doentinha, coitada. Mas sabe, meus colegas não eram só egoístas como o próprio Carpinejar conta na crônica. Nem achavam, sei lá, interessante a colega ter seus problemas e ataques. Minha turma era bem cruel. Cruel daqueles que culpam a pessoa pela doença, que chamam de preguiçosa o tempo inteiro, que acham que você não vale absolutamente nada porque tem uma doença. De aluna brilhante e promissora eu virei aquela que se acabasse a escola já tava no lucro. Ah se eu tivesse os poderes de Carrie, a Estranha...aquela escola ia pegar fogo... hahahahahah.
Mas é estranho, as pessoas veem uma certa aura de charme na doença. Pior ainda aqueles que dizem "ah, mas tu podes usar a desculpa da doença...". Até parece que a gente adora ter uma doença, só pra poder se desculpar de atrasos e ausências. Não sabem eles que tudo que a gente queria, às vezes, era ter o pique de trabalhar um dia inteirinho. Bom, mas deixo vocês com as palavras do Carpinejar, que estão muito boas. Parabéns Carpinejar, por assumir o que sentiu e, principalmente, por ter aprendido a respeitar o sofrimento alheio e a entender a alma do outro, sentimento chamado também de compaixão...falta muito nesse mundo.
Até mais!
Bjs

SOFRIMENTO NÃO É CHARME

Em minha escola, havia a Maria do Suspiro. Um nome que funcionava como apelido amoroso.
Ela desmaiava semana sim, semana não.
Produzia um acontecimento importante na turma, com descrições de como foi a queda, os passos para reanimá-la, quem a socorreu.
Destacava-se como uma santa na lista de chamada. Se o tombo ocorria antes do recreio, dominava o assunto das rodas no intervalo. Se ocorria depois, não se falava de outra coisa na saída.
Assim que acordava da pane, Maria Suspiro recebia biscoitos, bolo e chá, recebia cuidado e atenção especial dos professores, recebia uma hora exclusiva na sala da direção, e recebia – pasmem – a chance de sair mais cedo.
Passei a minha infância inteira treinando desmaiar. Mas não consegui.
Eu me sobrecarregava de roupas no verão. Botava uniforme com gola rolê. Só que minha pressão não baixava. Eu apenas ficava com a fama de excêntrico.
Sobrevivia um dia jantando ninharias e renunciando o café. Só que a fome apenas produzia barulhos no estômago.
Sofria de amores platônicos, me distraía e jamais me esgotava emocionalmente.
Gostaria mesmo de desmaiar. Ensaiava tonturas na cama. Mas logo me despertava mais animado ainda.
Idealizava o copo inesperado de água com açúcar e os colegas ao meu redor, perguntando se estava bem e se havia recuperado a consciência.
Ansiava por aquela vertigem de amolecer os ombros e se dobrar como água de cachoeira.
Busquei desmaiar na igreja e somente cochilei. Busquei desmaiar na aula de matemática e somente ronquei. Além de não desfalecer, ganhava advertências e ocorrências que sujavam o histórico escolar. Minha saúde perfeita não ajudava a alma romântica. Ganhei a fama de malandro e espertinho, preguiçoso e inconveniente.
Já Maria do Suspiro tinha uma performance impressionante, inimitável. Não compreendia como ela sempre caía bonito, nunca batia com a cabeça ou se esborrachava no chão. Não se machucava, não criava cicatrizes. Ela virava os olhos, empurrava o rosto para trás, e se escorava em alguém ao seu lado, que amparava imediatamente sua frouxidão. Não a vi caindo uma vez desacompanhada. Tinha um senso infalível de momento. Não descia a escada da respiração sem um corrimão ou desprovida do apoio de um braço generoso.
Seus desmaios eram educados, gentis, sedutores. Nem demorados para gerar pânico. Nem rápidos demais para não provocar dúvidas.
Por muito tempo, fui apaixonado pela minha carência. Forçava adoecer para chamar atenção. Enquanto Maria do Suspiro sonhava com a paz de minha vida, com a normalidade discreta dos colegas.
Ninguém é doente por charme. Entendo talvez um pouco tarde. Hoje respeito mais a fraqueza dela do que o meu egoísmo.
Publicado no jornal Zero HoraColuna semanal, p. 2, 7/1/2014Porto Alegre (RS), Edição N° 17666


14 comentários:

  1. Olha Bruna,eu não passei por isso ainda porque a maioria das pessoas não sabem que tenho EM,nem alguns parentes meus nem fazem idéia que tenho EM mas se soubessem iam ficar com aquelas caras de''coitadinha da Zildinha'' porque é assim que me chamam,então prefiro deixar quieto.Porque esse negócio de''coitadinha'' não é comigo.Bjos,Zildelena.

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    1. Gostei, vou te chamar de Zildinha também, posso? ;)
      Bom, tem o lado ruim que as pessoas olham como coitadinha, mas sabe, eu penso que para mudar a atitude das pessoas, a gente tem que mostrar pra elas que estão erradas, e elas só vão aprender se estivermos dispostos a nos expor um pouquinho. Fora que, quando as pessoas sabem das tuas necessidades, fica mais fácil de ajudar. E eu quero toda a ajudar que puder ter, coisas de diva sabe...ehehhehe
      Bjaum

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    2. Adorei esse termo: "coisas de diva"!!!
      Passei a utilizá-lo há pouco tempo na minha vida, pois vi que estava marcando bobeira, enquanto que alguns que nem possuem limitações, usam e abusam.

      Queria mostrar que estava bem, "normal" e dar tudo de mim (não só no trabalho, como também na vida pessoal e familiar).
      Hoje, eu cobro os meus direitos mesmo.
      Digo:
      Posso, mas no meu ritmo (nada correndo);
      preciso ir ao médico;
      agora não estou me sentindo bem...e por aí vai.

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  2. Ola Bruna sou a pam q comentou sua postagem anterior,falei um pouquinho d mim la...bom sab q passei por algo parecido descobri q tinha lupus aos 15 anos era magrela , mas magrela mesmo os medicos pediam para eu comer tudo q tivesse carboidrato e talz quando descobri q tinha essa doenca de um dia para o outro engordei 17kg e fiquei quase careca...foi horrivel todos na escola comentando d mim mas os profs comecaram a me dar uma atencao especial,e eu so queria terminar logo os estudos para nao me verem naquela situacao,mas logo superei e melhorei retomei os estudos e fiz facu de pedagogia. Mas hj em dia estou me sentindo um patinho feio de novo pois a 6meses atras descobri q tenho EM e voltei a trabalha mes passado super inchada por conta dad pulso...eu so tenho vontad d sair correndo de tanto comentario,mas nao contei pra ningm do trabalho,mas as vezes me tranco no banheiro e so choro pra v se alivia e consigo trabalha o resto do dia...mas tenho feh um dia vou aprender a lidar com isso....

    Beijinhoooos Bru!!!

    Pam

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    1. Pam, se me permite gostaria de contar brevemente minha história...fui diagnosticada em Agosto de 2012!! De forma um pouco incomum, através de RM, por acaso, tinha sutilmente alguns sintomas mas nem fazia ideia de que poderia ser EM...enfim.
      Claro que na época fiquei sem chão, moro longe da minha família, tenho uma filha pequena e encontrei suporte aqui no trabalho, você não faz ideia de como fui "abraçada"...me sinto em casa e não rola comentário do tipo "coitadinha".
      Entendo o seu temor, mas se sentirá muito melhor quando colocar toda essa angústia pra fora....as vezes as pessoas nos surpreendem de forma positiva....bjs!!

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    2. As vezes contar é melhor. Quer dizer, eu acho que ser honesto com o que se está passando sempre é melhor.
      A gente não pode querer que os outros adivinhem o que passamos né.
      Se permita ser abraçada como a Mel foi.
      Permita aos outros conviverem contigo, com a EM e com tudo que ela traz junto.
      As minorias só serão entendidas no dia que a gente der o direito às maiorias de nos verem por inteiro, com nossas fragilidades e fortalezas.
      Chorar de vez em quando faz bem...mas é tão melhor chorar no colo dum amigo que sozinha.
      Conta com a gente Pam! E obrigada Mel por nos contar a tua experiência. É isso mesmo, as pessoas nos surpreendem de forma positiva e é maravilhoso quando isso acontece!
      E aqueles que não entenderem, dá um foda-se pra eles também... hehehehe
      Bjs

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    3. Obrigada gente pela forca !!! ainda estou aprendendo a lidar com essa nova doença....Estou encontrando forcas para seguir em frente aqui neste espaco, entro todos os dias e vejo novos comentários e talz....estou cada dia melhor e como meu marido diz...-Pam quando ligarem pra vc perguntando como vc esta com uma voz de lamentação... fale que esta otima e pergunte se a pessoa que esta te ligando esta bem! sabe que fiz isso nao eh que deu certo!!!rsrsrsrsrs estou percebendo o quanto sou forte a cada dia!!!! obrigada por este espaco Bruna bjuu Pam

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  3. Oi Bruna!
    Quero te agradecer pelas palavras, a dose certa de bom humor e pelo otimismo!
    Descobri seu blog numa noite solitária e triste no hospital. Primeira internação e todas as incertezas rondando a mente.
    O diagnóstico da esclerose veio em jan/13, eu com 24 anos, garota-carioca-swing-sangue-bom, carnaval chegando, gatinhos, trabalho, amigos incríveis... Essa combinação. Acordei um dia com o braço esquerdo formigando. Fiquei com esse formigamento por duas semanas, minha madrinha marcou um neuro, eu fui, fiz exames, voltei lá e fiz mais exames e... Não voltei mais.
    Fiquei com o braço esquerdo dormente, a dormência se estendeu até os pés em novembro. Fui internada, pois não conseguia andar.
    No hospital, redescobri a minha família, reconheci os meus amigos e aprendi lições de humildade e humanidade.
    Espero te conhecer pessoalmente! Só quero te dizer que você é um divisor de águas na minha vida, revejo a minha postura todos os dias e não reclamo tanto (só reclamo do calor, 50 graus e sensação térmica de pof, desmaiei). Sou grata por tudo!
    Muitos beijos e saúde para nós!

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    1. Babi querida, me fez chorar no meio da tarde... ser um divisor de águas positivo é uma honra, uma felicidade e uma responsabilidade também. Obrigada!
      Conta comigo, com o blog e sinta-se a vontade aqui nesse espaço.
      Às vezes, tomar um sustão desses faz a gente repensar tanta coisa né? Mas não deixa o carnaval, os gatinhos, o trabalho, os amigos de lado não... só reorganiza que tudo dá certo! ; )
      Tu derrete no Rio de Janeiro? Pode deixar que quando ficar com temperaturas mais amenas volto no Rio (fiquei 4 dias aí e achei lindo demais) e a gente se conhece. Ou então, vem conhecer o frio que faz no Sul... mas vem só depois de maio, porque agora tá um inferno de quente também...ehhehe
      Bjaum!

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    2. Sim, essa é uma fase de reorganização e adaptação! Não larguei nada, o carnaval está chegando, os gatinhos estão aí, o trabalho entrando em férias, meus amigos ao meu lado... Tudo tomando novas formas!
      Avisa quando vier pro rio, vou adorar te conhecer! c:

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  4. Olá Bruna, tudo na paz? Legal saber que você curte um rock, foi ao show do Sabbath. Eu curto Heavy Metal e outros estilos de rock desde 1983. Nossa, estou velho mesmo!!
    .
    Sou o mais novo "esclerosado" à seguir seu blog. Aliás, me ajudou a entender mais sobre esta doença que é o "cão chupando manga". Parabéns!
    Ao contrário de você, que está super bem (que continue sempre assim), não estou muito bem não. Tenho 43 anos, fui diagnosticado em maio/13, embora comecei a sentir os primeiros sintomas +/- no final de novembro/11. Estou com muita dificuldade para andar, ñ saio nem na rua mais. Só saio para ir ao médico, tenho que usar até cadeira de rodas porque, quando ando um pouco, minha perna fica tão pesada, que ñ consigo tirar o pé do chão. Meu lado esquerdo está bem afetado. Estou por enquanto, no auxílio-doença.
    A neurologista me disse que a minha esclerose é do tipo progressiva, que é o tipo mais difícil de ser tratada, por que ñ há ainda um medicamento eficaz. Tem que ficar experimentando medicamentos diferentes, até achar um, que tenha dado algum resultado.
    No momento estou usando o betainterferona•b, e na última consulta, a neuro solicitou a mundança para o medicamento chamado Natalizumabe 300mg.
    Este medicamento é injetado 1 vez por mês.
    Você conhece este medicamento, ou alguém que já usou? Será que vale à pena trocar o betainterferona pelo Natalizumabe?
    Andei lendo que é um remédio bem forte.
    Bom, vou ficando por aqui. Obrigado pela sua atenção, e mais uma vez, parabéns pelo blog.
    .
    Alexandre


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    1. Oi Alexandre, seja bem vindo! Sei que esse não é um time que a gente escolhe entrar, mas, pelo menos, não estamos sozinhos! ehehhehe
      Bom, a esclerose múltipla primária progressiva é um dos tipos de mais difícil tratamento porque não foi muito pesquisada ainda. Mas, olha só que notícia boa, os pesquisadores de EM dizem que essa é a década da progressiva, porque estão encontrando soluções boas pra ela.
      Dá uma olhada nessas notícias: http://www.agapem.org.br/portal/component/content/article/37-noticias/224-progresso-e-desafios-na-pesquisa-da-em-reflexoes-sobre-o-ectrims-2013.html

      http://www.agapem.org.br/portal/component/content/article/37-noticias/220-em-progressiva-foi-objeto-de-apresentacoes-na-65o-reuniao-anual-da-academia-americana-de-neurologia.html

      http://www.agapem.org.br/portal/component/content/article/37-noticias/150-esclerose-multipla-progressiva-e-objeto-de-encontro-internacional.html

      Nunca vi ninguém com progressiva tomar interferon, porque simplesmente não funciona. O natalizumabe não tem eficácia comprovada em progressiva também.
      Eu conheço muitas pessoas que fazem o uso do natalizumabe. Meu namorado usa essa medicação. O risco dela é se você é JCV positivo. Tem que fazer o exame antes de começar a medicação e ir acompanhando sempre.

      Mas uma coisa que eu tenho certeza que faria bem pra você é fisioterapia. Porque pra primária progressiva não existe um tratamento específico ainda (eu já li que o ocrelizumabe, uma medicação que está em fase de testes ainda, tem apresentado uma boa reação...deve entrar no mercado daqui uns anos). Mas o que a gente pode fazer sempre é tentar manter as funções que ainda temos e recuperar aquelas que dá. E isso, com uma boa fisioterapia neurológica dá pra conseguir.
      Ah, e não se acanhe de sair rodando por aí com a cadeira de rodas. Melhor rodar e viver do que se trancar e deixar de ver os dias lindos que fazem lá fora.
      Eu fiquei um tempo me escondendo em casa também, até comprar minha bengala e dar um bem dum foda-se pra todo mundo que me olhava torto.
      Lembre-se que você é muito mais do que um par de pernas.
      Bjs

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  5. Olá Bruna, sou Maria Fernanda. Descobri nas férias de julho/2013 q tenho EM. Tudo aconteceu muito rápido pq minha irmã é médica e tem uma amiga casada com um neuro. É sempre bom ter amizade com médicos, mas sempre me senti desconfortável com a atenção vinda da família. Me estudando como um caso, a quantidade de exames, os dias no hospital faziam-me sentir o centro das atenções. Algo que sempre odiei. Não quero me sentir como coitadinha, mas tb não gosto quando minimizam a minha dor. Já me falaram que os efeitos da Avonex melhoraram, mas eu ainda me sinto horrível. De muito ruim para menos ruim ainda é ruim. Apesar de odiar atenção me sinto muito feliz quando subo uma escada e minha irmã sobe atrás de mim. O que me denunciou q tinha algo foi à falta de equilíbrio. Falar para a família da EM foi fácil, pior é falar para os amigos. Mas, abrir-se para amigos facilitou aceitar a doença. Só que ainda é complicado falar.

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    1. Obrigada Mary por compartilhar a tua história com a gente!
      Realmente é uma coisa complicada de assumir pra nós mesmos e depois de contar pros outros. Mas com o tempo tu vai te acostumando. Se acostuma até a ouvir as perguntas "tu tá bem?" quinhentas vezes por dia sem se irritar mais ;)
      Seja bem vinda!
      Bjs

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