sábado, 9 de junho de 2012

Amor de irmão vai aonde você for

Primeira foto minha e da mana, ela me olhando no bercinho, eu com menos de um dia de vida. 

Oi queridos, tudo bem?
Nesses últimos dias, tenho pensado muito na minha irmã e na importância dela no meu cotidiano. Eu já falei bastante sobre a minha santa mãezinha, e vi que pouco contei sobre esse serzinho fenomenal que me acompanha também, desde sempre.
Pensei mais nela nesses dias por três fatos interessantes.
Primeiro porque me caiu nas mãos um livro muito, mas muito bom sobre viver com esquizofrenia. Como já contei por aqui, minha irmã tem deficiência intelectual. Desde muito pequena, os médicos, psicopedagogos, etc, acreditavam que se ela conseguisse se comunicar com a gente, seria uma grande vitória. O "diagnóstico" era de deficiência mental severa.
Mas, com muito esforço, adivinhem de quem? Da minha santa mãezinha, a Renata se desenvolveu muito bem. Ela sim, sempre foi uma lady, uma dama, uma diva, uma princesa. Delicada, meiga e cor de rosa. A nossa pequena bailarina. Tivemos, claro muitas dificuldades, principalmente na área de educação escolar e com o preconceito das pessoas. Mas nada que nos abalasse muito.
Entretanto, lá pelos 20 anos dela (hoje ela tem 28), a Renatinha mudou muito. Aquela menina meiga, ficou violenta com as pessoas da família, parou de comer e gritava e chorava desesperadamente. Eu estava no início da faculdade, e era muito difícil não dormir à noite, ouvindo meus pais tentando acalmá-la e ir pra aula de manhã. Também não era fácil ver minha mãe definhar junto com ela. Por um tempo, deixamos de ter uma vida social, porque não dava pra sair com ela na rua.
Depois de inúmeras idas a médicos e psiquiatras, viemos à Porto Alegre. Por ignorância nossa, tínhamos medo da internação em hospital psiquiátrico. Como a maioria das pessoas, pensávamos que era como naquele filme Bicho de Sete Cabeças. Mas, não tínhamos mais o que fazer. Remédios para dopar davam efeito contrário. Ou era isso, ou ela ia acabar morrendo. Eu confesso que a situação era tão desesperadora que eu cheguei a pensar que só se ela morresse as coisas podiam melhorar. Me dói e corta o coração falar isso. Mas é a verdade. Na verdade, eu não queria que ela morresse, eu queria que aquilo acabasse. Para vocês verem o tamanho do desespero de um familiar de um doente mental. Porque agora o problema não era o retardo intelectual dela, mas uma doença mental muito grave, séria e que afeta milhões de famílias no mundo todo: a esquizofrenia.
Bom, resumindo a história, depois de um mês na Pinel (foi muito bom ter passado por esse local e, se necessário, não ficaremos esperando tanto tempo à voltar), aqui em Porto Alegre, conseguiram dosar a medicação dela e vimos a Renata voltar. Jamais vou esquecer o dia em que entrei naquele hospital e consegui enxergar, nos olhos dela, que ela estava de volta. E como ela tinha parado de comer, estava muito magrinha e sem cor. Quando eu vi ela depois de duas semanas no hospital, ela já estava coradinha de novo. Ah, e claro, eu tive um surto enquanto ela estava aqui. Tadinha da mãe, com ela aqui e eu lá em Passo Fundo, fazendo pulso.
Até hoje eu conto isso e parece que não foi comigo que aconteceu. Se alguém me contasse tudo que aconteceu naqueles dois anos, entre a primeira crise da Renata e o controle da doença, eu diria que era impossível sobreviver a isso.
E porque estou contando isso agora? Porque eu li, nos últimos dois dias, o livro Os Demônios de Henry, escrito por Patrick e Henry Cockburn, pai e filho. Henry foi diagnosticado com esquizofrenia aos 20 anos também, e em 2010, com a doença controlada, escreveu esse livro junto com o pai, que é jornalista e escritor brilhante. No livro aparece o desespero da família e de Henry. É incrível as descrições de Henry sobre suas crises e o que ele sente e pensa quando está tendo suas alucinações, ideias fixas, etc. Como Henry nunca teve nenhum problema intelectual, consegue descrever seus sentimentos de uma forma que a mente infantil da Renata não consegue. Lidamos com uma "criança com esquizofrenia". O que dificulta um pouco para entender o que ela pensa ou sente. Ler os pensamentos de Henry me ajudou a entender coisas que ainda não entendia, apesar de conviver com. E ler as experiências dele, me fez pensar que, sim, as perseverações e repetições dela são enlouquecedoras, mas, infinitamente menos perigoso que sair pelado numa noite de neve e nadar num lado gelado. Ou seja, vou tentar (juro que vou) enlouquecer menos com as manias dela.
Então, sugiro a leitura desse livro a todo mundo. Quem convive com pessoas com esquizofrenia e também quem não convive. É interessantíssimo ler esse relato. E sei que quem convive com alguém que tenha uma doença mental, vai se sentir muito próximo dessa família que vive na Inglaterra. Outro motivo interessante pra ler esse livro é que, a maioria das pessoas com doenças mentais como a esquizofrenia não escrevem sobre a doença e não tem quem fale por eles.
Ah, eu peguei esse livro emprestado com o pessoal da Agafape (Associação Gaúcha de Familiares de Pacientes Esquizofrênicos e demais doenças mentais). Um lugar excelente pra quem tem algum familiar com doença mental. Eles tem atividades todos os dias para quem tem essas doenças e apoio às famílias! Visitem o site, conheçam o trabalho e ajudem, tá faltando voluntário lá: http://www.agafape.org.br/
Bom, esse foi o primeiro motivo pra eu pensar mais na mana.
O segundo, foi o carinho com que ela me trata enquanto estou fazendo a pulsoterapia. Ela sempre é muito solícita e educada com todos. Mas quando eu estou doente, ela fica muito ansiosa. Talvez porque ela deteste entrar em hospital, talvez porque ela não goste da ideia de injeções e soro, mas acho que é porque ela vê que estou doente mesmo. Se alguém perguntar pra ela o que eu tenho, ela sabe dizer o nome e dizer que eu sou fraquinha e tomo injeção. Isso é o que ela entende de Esclerose Múltipla. No dia do encontro de EM (em que ela ficou distribuindo panfleto sobre EM pra todo mundo que passava por ela no parque), mostrei pra ela meus amigos e disse que aquelas pessoas também tinham Esclerose. O comentário dela foi: que ruim né mana? Tive que concordar.
Do jeito dela, ela cuida de mim. Passou a semana toda passando a mão no meu rosto e perguntando se eu queria alguma coisa. E não reclamou nenhum dia por não ter ido nas atividades dela, já que a mãe não podia levar ela nos lugares e ficar comigo ao mesmo tempo. Posso dizer também que foi ela que me ensinou, desde sempre, que ser diferente é normal. E, acredito que ter ela em nossas vidas nos ajudou a aceitar a Esclerose Múltipla também. Afinal, já sabíamos que ninguém está livre de ter doenças, síndromes, etc. E sempre tivemos que lidar com preconceitos e rejeições.
Além disso, a EM não foi nunca o centro das atenções da casa, porque eu até dependo dos outros pra algumas coisas, mas a mana sempre foi mais dependente do que eu. Então, eu sempre tive em mente que tinha que ser mais forte pra poder ajudar, afinal, alguém precisa muito mais de mim do que eu preciso dos outros. Do meu jeito, eu me viro. Mas ela, se não tiver alguém sempre junto, não come, não toma banho, não sai de casa... ou sai e sabe-se lá o que faria. Até tem gente que diz que não deveríamos fazer assim ou assado, mas eu só digo uma coisa: ser mãe é muito fácil, até você ter um filho. Quer dizer, falar que tem que ser diferente é fácil, quero ver vir aqui e fazer melhor.
Às vezes, quando eu ou a mãe contamos que somos nós três, uma pela outra, as pessoas acham que deve ser horrível, uma pessoa com deficiência intelectual e doença mental, outra esclerosada e a mãe pra cuidar das duas. Desenhando assim, o cenário até parece feio. Mas, a cada dia que passa, eu tenho maior dentro de mim a certeza de que nós não podíamos ter vindo em famílias diferentes ou em épocas diferentes. Não consigo me imaginar sem a Renata. E gosto de pensar que ela também sente assim. E explico porque acredito  nisso:
O terceiro motivo, foi uma colocação dela há alguns dias. Ela não é de falar muito com quem não conhece, mas em casa ela sai com umas muito boas. A melhor tirada dos últimos tempos foi a seguinte: estávamos tomando café da tarde (sim, aqui em casa é sagrado o café da tarde), e eu tinha colocado o tênis. Se eu coloquei o tênis, é porque ia sair. Ela olhou pra mim e começou a perguntar sem parar: onde tu vai mana? onde tu vai? onde tu vai?
Eudisse : à merda Renata. Vou à merda... para de incomodar!
E ela: posso ir junto mana?
Hahahahahahahahahahahahahahahaha
Até agora tô rindo da proposta dela, de ir até à merda junto comigo. Isso prova a fidelidade fraternal dela, não prova?
Até mais!
Bjs

Nossa foto mais recente, tirada dia 27 de maio, pela Tuka. 


P.S.: O efeito envelhecido da primeira foto não é instagram, é de velha mesmo... quase 26 aninhos...ehehhe


17 comentários:

  1. LEGAL COMO VOCÊS ENFRENTAM AS DIFICULDADES DECRETADAS PELA VIDA PROCURANDO APOIAR E SEREM FORTES PRÁ SEGUIR EM FRENTE.DEVE SER PREOCUPANTE PENSAR QUE ESSE EQUILIBRIO NÃO SERÁ PERMANENTE.COMO NÃO SERÁ PARA TODOS NÓS.

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    1. Sabe que, se tem uma coisa que eu ja aprendi nessa vida, é que equilibrio e paz de espirito depende da forma como encaramos as coisas, porque a vida não é uma constante e, felizmente, mudanças acontecem todos os dias ;-)

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  2. A minha família, do jeito dela, sempre foi tudo pra mim, principalmente depois do meu diagnóstico.

    A sua família, do jeito dela, parece ser o MÁXIMO!
    Parabéns e dê graças a Deus por ela!!!
    Bjim
    Fernanda

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  3. Oi Bruna, em primeiro lugar estou feliz com sua recuperação, depois fiquei muito emocionada (chorei...) de ver a sua união com a tua irmã e tua mãe, muita linda a forma como vcs lidam com as dificuldades, e por último ri muito com o desfecho do seu relato..kkkkkk.
    Uma ótima semana.
    BJ. Mariana

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    1. Mari, então tu fez exatamente o que eu fiz enquanto escrevia: chorei, ri, deu nó na garganta, ri mais um pouco! Heheheh
      Bjs

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  4. Oi Bruna,
    Muito lindo o seu relato. Sua mãe é mesmo uma Diva, uma Supermãe. Muita força e saude para todas vocês. E o livro parece ser mesmo bem interessante. Obrigado pela dica e vou procurar para ler.
    Abraços,

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  5. Bruna, o amor que une vocês e sustenta vocês é a coisa mais linda do mundo!!!
    E... "Nada acontece por acaso", né?!!

    Beijos querida guerreira!
    ♥ ♫ ♥ ♫ ♥ ♫ ♥ ♫ ♥ ♫ ♥ ♫ ♥
    Pas e Luz.

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  6. Muito legal seu depoimento =)
    Descobri a pouco tempo que tenho EM, é bom saber que vocênão está sozinho, e que a vida continua apesar de tudo!
    Felicidades =)

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    1. E não estás sozinho mesmo! Se precisar de alguma coisa, estamos aí! Pode mandar email também: bruna.rochasilveira@gmail.com
      Bjs

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  7. Como sempre devoro os teus textos, é tão humano e real e em muitos conseguimos nos identificar um pouquinho. No último sábado tive oportunidade de conversar com tua mãe, é uma querida , grande ser humano, mulher e mãe, não é fácil passar pelo o q ela passou e ainda passa. Quando tu for mãe vai entender o q quero dizer. A gente nasce no momento certo e junto das pessoas certas , disso não tenho dúvida, nada é ao acaso, tudo tem um plano um motivo. Sabe que tu mora no meu coração e estou sempre na torcida por vcs. Sabe o q lembrei lendo teu texto, um post que vc falou que tua mana ia se apresentar no grupo de dança e na última hora cortaram a presentação dela por não ter como encaixar, aquilo me revoltou tanto que tu não faz idéia, detesto qualquer tipo de discriminação. Bom um grande beijo e manda beijo pra mãe e pra mana (não deve lembrar de mim vi uma vez) kk mas manda mesmo assim

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    1. Obrigada Karen! Aquela do ballet cortou nosso coração de jeito...mas ainda bem que o coração dela é bom e perdoa também.
      Bjaum!

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  8. Ô Bru, que lindo o teu relato... fiquei muito emocionada e me passou um filme na cabeça, lembrei de tanta coisa... a tua descrição da Renata realmente é perfeita, não sei como ela é agora, afinal os anos passaram, mas remeteu exatamente àquela Renatinha que fez parte da minha infância e que marcou muito.

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    1. Continua a mesma Renatinha...só mais velha! Heheheh
      Temos muitas saudades de vcs!
      Bjs

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  9. Querida Bruna.

    Minhas lágrimas rolaram a ler esse post sobre sua mana. Vocês são vitoriosas.
    bjao.

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  10. Lindíssima história de vida !!! Alegrias, tristezas e muita superação, assim é a vida altos e baixos !!!! Estar vivo é tudo de bom !!!

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