sábado, 16 de janeiro de 2016

Sobre teimosia e empatia


Oi queridos, tudo bem com vocês?
Quantas vezes você, que tem esclerose, já ouviu que é muito teimoso? E quantas vezes já repetiu esse discurso de que quem tem doença é teimoso?
Eu fiz isso inúmeras vezes. Mas, a verdade, é que chamamos de teimosia aquilo que ainda não tem nome e que, aqui, vou chamar de vontade de normalidade.
Acontece que, quando você perde a capacidade de fazer coisas simples como comer sozinha, andar sozinha, tomar banho sozinha, o teu cérebro continua achando que pode fazer o que fazia antes. E aí a gente se testa. A gente testa pra ver o quão dentro da normalidade social a gente se encontra. Se testa pra tentar ajudar quem nos ajuda. Se testa pra ver até onde consegue ir. Tem dias que dá pra cortar uma carne no prato. Tem dias que mal dá pra pegar a comida com colher.
Mas aí vem o mundo e chama a gente de teimoso. Durante muitos anos eu acreditei que eu era teimosa. Que quando eu tentava caminhar mais do que podia e ficava ruim, era culpa da minha teimosia. Que quando eu tentava cortar a comida e cortava a mão, era culpa da minha teimosia. Que quando eu caía tentando colocar a roupa, era culpa da minha teimosia.
Hoje eu consigo fazer todas as atividades básicas diárias sozinha. E consigo ajudar o Jota a fazer as dele também. Caminhar muito, subir e descer escadas continua sendo um martírio. E eu continuo sendo chamada de teimosa por sair em dia de sol, por fazer as compras do mercado, por tentar resolver a vida.
Há alguns dias o Jota caiu no banheiro aqui de casa (ainda não consegui quem faça a reforma pra ele ficar ainda mais acessível). No meio da noite ele quis ir ao banheiro, mesmo tendo o papagaio ao lado da cama para as urgências da noite. Mas naquela noite ele insistiu pra ir no banheiro e acabou caindo. Nossa sorte é que não se machucou. Eu fico nervosa quando ele cai, meu medo é que ele se machuque. Quando deitamos novamente eu chorei. Chorei litros. Porque só eu sei o quanto dói não conseguir segurá-lo antes dele ir ao chão. Ele ficou de cara amarrada. Quando eu perguntei se não ia dizer nada ele disse: não, eu sei que sou teimoso e que fiz coisa errada.
Juro, a última coisa que eu pensei quando ele caiu foi que ele era teimoso e que tinha feito coisa errada. Porque, depois de ver que ele não estava machucado e que estava tudo bem, o meu pensamento foi de que tudo que ele queria era um pouco de normalidade. Não era teimosia, era vontade de "ser normal". De, ao ter vontade de fazer xixi no meio da noite, se levantar e ir ao banheiro, como ele sempre fez. Isso era o padrão do corpo dele há menos de dois anos. É natural que o cérebro dele pense que o corpo ainda consegue.
Querer fazer algo não é teimosia. É verdade que pode ser frustrante. Perigoso até. Mas só quem passa sabe o que é essa vontade de conseguir fazer o que se fazia até ontem. Por isso, não nos julguem como teimosos quando tentamos, nem como mal humorados quando não conseguimos. É fácil julgar, apontar o dedo e chamar de teimoso quando se está de fora.
E, por mais que as pessoas tentem se colocar no lugar de quem passa, vou dizer uma coisa pra vocês: vocês jamais saberão o que é. E espero que continuem sem saber, porque a única forma de saber é passando.
Ou talvez, tendo empatia. Mas empatia de verdade. E empatia é ouvir sem julgamentos. Hoje, depois de ter escrito esse post, vi um vídeo que explica melhor tudo o que eu estou dizendo:


De agora em diante, só aceito o rótulo de teimosa quando realmente for teimosia. Engraçado que as pessoas costumam taxar de teimosia tudo que é discordante daquilo que elas pensam ser o certo. Tipo, "se você não faz do meu jeito, então é teimoso...porque o meu jeito é o certo". Então, quando a gente chama alguém de teimoso, isso diz muito mais sobre a gente do que sobre quem estamos falando. Na verdade, sempre que chamamos alguém de alguma coisa, diz mais sobre a gente do que sobre o outro. Por isso que é bom relativizar os fatos e tentar entender que o outro deve ter seus motivos.
Até mais
Bjs

17 comentários:

  1. Ai Bruna, como sempre sabe colocar em palavras o que se passa na nossa cabeça e coração e ñ sai de jeito nenhum.
    Pra variar, chorei aqui.
    Bjs,
    Vanessa

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  2. Eu ouço isso o tempo todo. E essa vontade de ser"normal" ja me chamaram de burra tbem, como se fosse burrice a simples vontade de realizar algo simples. A mibha ultima "arte de teimosia" foi fazer aula de zumba.
    Amo, amo de paixao a dança e pra quem fez Street Dance, Jazz, Ballet ...a Zumba nao seria diferente, queria me sentir "viva" ,só quem subiu num palco e dançou entendera isso q estou falando.
    Mas infelizmente a cabeça quer, e quero mto , mas o corpo nao deixa.
    Resultado: mais, mais dores!!!
    E por mais q eu queira e deseje profundamente ... infelizmente nao consigo.
    Aceitar isso doi mais do que ser taxada de burra.
    E como vc mesmo disse: ninguem sabe o que passa no corpo. Só quem sente é que consegue entender.
    Sou de Sao Paulo e qdo a Unimed Paulistana faliu , fui obrigada a escolher entre 3 convenios.
    No dia q fui fechar haviam mtas pessoas aguardando o atendimento e um rapaz puxou papo.
    O Pai dele tbem tem Esclerose Multipla e ele começou a falar cheio de propriedade, que o Pai dele estava mto "preguiçoso" depois da descoberta da doença, q o Pai havia se "acomodado e estava sem força de vontade".
    Aquilo me deu uma revolta que respondi pra ele sem mais nem menos pudor.
    Vc nao tem o direito de falar sobre aquilo q vc nao sente, que vc nao passa na pele. Como vc pode falar q seu Pai sente dor por falta de força de vontade, por falta de fe?!?!
    E finalizei: qdo vc depois de tomar banho se sentir exausto a ponto de ser obrigado a deitar vc volte pra falar algo, enquanto isso nao acontece, acho melhor vc calar-se!
    Meu marido ficou horrorizado com minha reaçao, e ate eu mesma... mas nao aguentei e revoltei.
    É ou nao é revoltante?

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    1. Adoreeeei a tua reação amiga! Só quem passa sabe!!!
      Ah, e a aula de zumba também! Continue "teimosa"
      Bjs

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  3. Eu ouço isso o tempo todo. E essa vontade de ser"normal" ja me chamaram de burra tbem, como se fosse burrice a simples vontade de realizar algo simples. A mibha ultima "arte de teimosia" foi fazer aula de zumba.
    Amo, amo de paixao a dança e pra quem fez Street Dance, Jazz, Ballet ...a Zumba nao seria diferente, queria me sentir "viva" ,só quem subiu num palco e dançou entendera isso q estou falando.
    Mas infelizmente a cabeça quer, e quero mto , mas o corpo nao deixa.
    Resultado: mais, mais dores!!!
    E por mais q eu queira e deseje profundamente ... infelizmente nao consigo.
    Aceitar isso doi mais do que ser taxada de burra.
    E como vc mesmo disse: ninguem sabe o que passa no corpo. Só quem sente é que consegue entender.
    Sou de Sao Paulo e qdo a Unimed Paulistana faliu , fui obrigada a escolher entre 3 convenios.
    No dia q fui fechar haviam mtas pessoas aguardando o atendimento e um rapaz puxou papo.
    O Pai dele tbem tem Esclerose Multipla e ele começou a falar cheio de propriedade, que o Pai dele estava mto "preguiçoso" depois da descoberta da doença, q o Pai havia se "acomodado e estava sem força de vontade".
    Aquilo me deu uma revolta que respondi pra ele sem mais nem menos pudor.
    Vc nao tem o direito de falar sobre aquilo q vc nao sente, que vc nao passa na pele. Como vc pode falar q seu Pai sente dor por falta de força de vontade, por falta de fe?!?!
    E finalizei: qdo vc depois de tomar banho se sentir exausto a ponto de ser obrigado a deitar vc volte pra falar algo, enquanto isso nao acontece, acho melhor vc calar-se!
    Meu marido ficou horrorizado com minha reaçao, e ate eu mesma... mas nao aguentei e revoltei.
    É ou nao é revoltante?

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  4. Muito bem escrito e esplicado! Teimosia só quando realmente for teimosia. Beijos
    Terezinha

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  5. A minha mãe tem esclerose múltipla e acompanha o seu blog, eu de vez em quando passo por aqui. Mas este post ela me enviou por e-mail rsrs uma indireta bem direta, então vou deixar a minha resposta para ela.... Te chamo de teimosa quando eu falo que hoje a prioridade é você, e você só está pensando que não pode me ajudar mais, mesmo depois de tudo que você já fez por mim e pelos meus irmãos. Não acho que você não possa fazer mais nada sozinha, mas acho que você poderia se cuidar mais para poder fazer as coisas sozinha por mais tempo. Te chamo de teimosa quando eu tento ajudar e você fala que não precisa. E principalmente te chamo de teimosa quando você fala que não é certo eu ter que cuidar de você.
    Talvez eu nao sinta empatia mas sinto AMOR e quando a gente ama a gente cuida não por TER que cuidar mas por QUERER cuidar. Te amo ❤❤❤❤❤

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    1. Hehehehe... sei como é estar do teu lado também Ana. É difícil ser os dois lados da moeda, mas, enfim, eu mesma me traio quando falo pro Jota que ele é teimoso... na verdade, se eu pudesse, carregava no colo só pra poupá-lo. Te entendo! E parabéns pela relação com a tua mamis. Muito amor pra vocês!!!

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  6. A minha mãe tem esclerose múltipla e acompanha o seu blog, eu de vez em quando passo por aqui. Mas este post ela me enviou por e-mail rsrs uma indireta bem direta, então vou deixar a minha resposta para ela.... Te chamo de teimosa quando eu falo que hoje a prioridade é você, e você só está pensando que não pode me ajudar mais, mesmo depois de tudo que você já fez por mim e pelos meus irmãos. Não acho que você não possa fazer mais nada sozinha, mas acho que você poderia se cuidar mais para poder fazer as coisas sozinha por mais tempo. Te chamo de teimosa quando eu tento ajudar e você fala que não precisa. E principalmente te chamo de teimosa quando você fala que não é certo eu ter que cuidar de você.
    Talvez eu nao sinta empatia mas sinto AMOR e quando a gente ama a gente cuida não por TER que cuidar mas por QUERER cuidar. Te amo ❤❤❤❤❤

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  7. Eu sei que é amor filha. Te amo muito e agradeço os seus carinhos e cuidados comigo. Milhões de beijos Te amo!😍❤️

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  8. Sabe isso é o que acontece também com os idosos e todos passam a falar a mesma coisa, nossa como é teimoso! Minha amada avó sempre foi uma pessoa super hiper ativa e não adiantava falar para ela não fazer isso ou aquilo pois uma pessoa que sempre se virou e fez acontecer não consegue ser diferente, ou seja, o cérebro já está acostumado e não entende que não pode mais... Um dia ela caiu pois aconteceu a mesma coisa, a moça que a ajudava tinha acabado de dar banho nela e ela estava descansando, mas teve vontade de ir ao banheiro e foi sozinha não chamou ninguém, não se sabe se ela escorregou porque estava descalça ou como foi... mas acabou quebrando o fêmur e depois disso teve cirurgia, complicações e por fim ela não aguentou mais os perrengues de enfia tubo, cateter, etc e nos deixou... Isso já foi há alguns anos, mas eu aprendi muito com ela e aprendi observando que não adianta, os mais velhos são os mesmos, nós somos os mesmos, o tempo passa mas a vontade de autonomia, a vontade de fazer e acontecer não passam... às vezes as consequências são tristes, mas é como somos, então não podemos julgar essa teimosia, só precisamos ter o cuidado e a atenção.

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    1. Verdade! Eu vejo isso nos meus avós. E como é difícil ver as pessoas querendo que eles percam a vontade de serem eles mesmos né? Mas, se deus quiser, todos chegaremos lá, como nossos avós e seremos os "teimosos" da vez.
      Bjs

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  9. Uau Bruna, você é incrivelmente especial. Chorei muito ao ler o seu texto. Em março de 2015 me submeti a um transplante de células tronco. Um sucesso, estava com a progressiva secundária galopante, kkkkkk. Estabilizou... mas todas as sequelas ficaram... quase um ano dedicado a minha saúde. Entreguei em troca, a minha vaidade (fiquei careca), a minha juventude (com 37 anos entrei na menopausa), minha esperança (fiz o tratamento mais moderno, mais radical e não voltei a andar sozinha)... só o que me restou foi esta "teimosia" da qual você divinamente escreveu. Parabéns!

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