quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Nada sobre nós sem nós

Oi gentes, tudo bem com vocês?
Comigo tudo ótimo! Fora o fato de que está faltando Avonex na famácia do Estado (lamentável), tudo certo!
Bom, mas hoje quero falar sobre outra coisa. Sobre o "poder" que damos à medicina e que, convenhamos, exageramos.
Não, não quero dizer que medicina não serve pra nada. Pelo contrário. Confio muito na medicina. Mas não acho que os médicos saibam melhor sobre a minha saúde e doença do que eu.
Deixa eu ver se consigo explicar meu ponto de vista...
Ontem recebi um post feito no site da Novartis sobre estabilidade da doença, comparando com o personagem da novela A regra do Jogo (acesse aqui). Li e achei ruim em vários aspectos. Respondi ao pessoal da assessoria de comunicação deles que não é bem assim como eles escreveram. Estar em remissão, ou seja, não ter um surto ou lesão nova por um tempo não é sinônimo de não ter sintoma e/ou sinal da doença no dia a dia. Digo isso por experiência própria. Estou há anos sem lesões novas e há um ano sem surto. E não há um único dia na minha vida que a doença não se manifeste de alguma forma. Se eu estou bem é porque a minha rotina é pensada conforme eu me sinto, levando em conta todos os sintomas da doença que tenho mesmo com um ano de remissão de surtos.
Fora que lá está escrito que nos primeiros anos a doença costuma ser mais leve... ok, pode até ser que algumas pesquisas demonstrem isso. Mas não é beeem assim. Afirmar que remissão é não ter sintomas e que nos primeiros anos a doença é mais "leve" pode ser até cruel com quem tem a doença e nunca sentiu isso seja com 5, 10 ou 15 anos de doença, como é meu caso. Gente, parem de comparar a doença real com a da novela. Na novela ela simplesmente não existe!!!!
Bom, mas não é bem sobre isso que eu quero falar. É sobre a resposta que eu recebi. O pessoal da assessoria prontamente me respondeu (elas são uns amores) dizendo que iam falar com os médicos que assessoram elas na escrita dos textos, afinal, elas não tem EM e quem as ajuda nos textos são os médicos. Os grandes detentores das verdades sobre nós.
Isso me incomodou um pouco. Não porque eu ache que eu saiba "A" verdade. Até porque, verdade também depende de ponto de vista. Mas porque eu levo muito a sério uma frase que usamos no movimento das pessoas com deficiência e que está fazendo muita diferença nas nossas vidas: Nada sobre nós sem nós!!!!
Acho que quem quer escrever sobre viver com EM, precisa sim consultar quem vive com EM e não os médicos. Os médicos entendem da parte científíca da coisa. A gente entende de viver 24h por dia com a doença. Fora que, a medicina vive "mudando de opinião". Quer dizer, a ciência hoje descobre uma coisa, amanhã descobre outra melhor, depois de amanhã descobre que é o contrário. O que ontem era comportamento, hoje é doença. O que hoje é doença, amanhã é degenerescência. E assim vai. Isso não quer dizer que a medicina é errada. Quer dizer que, como tudo na vida, tem seus momentos históricos e sociais de dizer e/ou fazer tais coisas.
Antigamente a medicina nos mandava repousar, ficar em casa e, dependendo da doença, ficarmos isolados do mundo. Hoje, mesmo quem tá absurdamente doente é incentivado a fazer exercícios físicos e trabalhar. O que está certo? O que está errado? Não sei... só sei que eu sei o que é melhor pra mim, física e espiritualmente falando.
E aí vem meu outro exemplo sobre essa questão. Há dois anos eu perdi peso muito rápido, sempre com diarreia e o abdômen inchado. Fui num gastro e descobri que eu tinha Síndrome do Intestino Irritável e que a lactose fazia com que eu passasse muito mal (além de fritura e feijão). Bom, há alguns meses voltei a ficar mal, com diarreias todos os dias e me sentindo estufada. Revendo minha dieta, resolvi fazer o teste do glúten. Em três dias parei de ter diarreia, voltei a comer normalmente e me senti com muito menos fadiga. Fiquei duas semanas sem nada de glúten e depois voltei a comer glúten num dia pra testar. Voltou todos os sintomas de novo. Decidi: não vou mais comer glúten. E pra mim foi bom. Comentei com a minha neuro e ela disse pra eu ir num gastro fazer um teste pra ver se eu tenho mesmo intolerância ao glúten. Ainda não fui fazer e não sei quando vou. Simplesmente porque não importa o que o médico ou o exame digam: eu não vou voltar a comer glúten. Eu sei o que me faz passar bem e o que me faz passar mal. Eu não quero voltar a ter diarreia todos os dias.
Eu acho importante ter o conhecimento da ciência médica pro tratamento da doença. Mas eu também acho que não devemos deixar de lado o conhecimento empírico do dia a dia. A vivência das pessoas. Nisso eu incluo tanto a minha experiência em remissão da doença quanto o conhecimento da minha avó sobre chás pra melhorar dor de barriga.
Sabe aquele ditado popular "nem tanto ao mar nem tanto à terra? Ou, "nem tanto ao céu nem tanto ao inferno"? Então, eu não acredito absurdamente no conhecimento popular, nem totalmente no conhecimento médico. Mas não nego nenhum dos dois. Afinal, os dois estão sendo construídos, destruídos, reconstruídos há tanto tempo que seria ignorância negar ou acreditar cegamente em qualquer um deles.
Agora, "nada sobre nós sem nós" é, para além da valorização da vivência uma questão de respeito a experiência e necessidades das pessoas. Isso me lembrou também de umas estagiárias de psicologia que quiseram fazer um trabalho com cuidadores de pessoas com doenças mentais e, nas reuniões, falavam como se as pessoas que vivem, todos os dias a experiência de cuidar, não soubessem o que estavam falando. Além de ser uma atitude ignorante não ouvir quem vive a experiência, é desrespeitoso.
Vai fazer uma rampa pra cadeirante? Chama um cadeirante pra avaliar onde fica e como fica melhor. Vai escrever um cardápio em braile? Chama alguém com deficiência visual, usuária de braile, pra saber como fica melhor. Vai fazer comida pra quem não pode comer glúten? Chama alguém com doença celíaca pra montar o menu. Vai falar sobre qualquer doença? Chama quem tem pra te ajudar a falar sobre. Médicos sabem muito sobre doenças, deficiências, síndromes etc. Mas, tirando aqueles que tem a doença que tratam, eles não sabem o que é viver a doença socialmente.
Que 2016, esse ano que está começando, seja um ano mais inclusivo. E inclusão é colocar quem vive a diferença no centro das discussões não como objeto, mas como sujeito.
Até mais!
Bjs


18 comentários:

  1. Perfeito este post.
    Uma ótima resposta a Novartis, uma bela orientação aos cuidadores e uma excelente dica aos telespectadores da Regra do Jogo..RS.. (Isso é vida real).
    Parabéns!!!

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  2. Perfeito este post.
    Uma ótima resposta a Novartis, uma bela orientação aos cuidadores e uma excelente dica aos telespectadores da Regra do Jogo..RS.. (Isso é vida real).
    Parabéns!!!

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  3. Puxa vida! Achei perfeito também. Sabe que às vezes fico pensando se vou descordar de você alguma vez, Bruna? Mas sempre, sempre que leio teus postes os acho inspirantes, inteligentes e esclarecedores. Eu não tenho a doença, mas sei o que é conviver com ela. Sei do medo do futuro e da impotência do presente. E sei, sobretudo, o quanto a evolução da medicina me tem ajudado e o quanto meu chazinho feito com amor ajuda também. Beijos, minha flor!

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    1. Ah, se discordar, tudo bem também! heheheheh
      Obrigada pela companhia virtual sempre!
      Bjs

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  4. Só os pacientes para saber como é a vida de uma pessoa com esclerose.
    Os médicos sabem de fatos e não de sentimentos. Ás vezes é frustante escutar um médico explicar algo q não irá sentir ou fazer. Desculpe é só um desabafo de alguém com ela.

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    1. Também acho Mary. A gente ouve e fica pensando "aham...sei...", sabendo que não é assim que acontece a vida.
      Sinta-se a vontade para desabafar por aqui sempre! E, precisando, chama!
      Bjs

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  5. Seu post não é limitando a ação técnica, mas esclarecendo que para executar tem que pesquisar e na pesquisa, tem que incluir que vive a situação. Isso deveria ser a base para tudo! Penso igual! Sou esclerosada e arquiteta, na minha vida profissional vejo muitos colegas copiando e colando casas e ambientes de revista quando deveriam olhar para o cliente e usuário, perguntar a ele suas necessidades e projetar a partir disso. Lamentável, porque ir ao mundo do outro dá trabalho, mas é tão prazeroso!

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    1. Nossa Ju, eu penso que os arquitetos têm uma responsabilidade social e tanto a cada projeto que fazem. Porque um degrau no lugar errado é o que diz: aqui você entra, aqui não. Gostei da frase "ir ao mundo do outro dá trabalho"... dá mesmo, mas acho que já é inevitável.
      Bjs

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  6. Perfeito Bruna, como todas as suas postagens. Tenho este mesmo sentimento que você expressou tão bem "nada sobre nós sem nós". Você fala com propriedade, pois vivencia a EM. Aguardo seu próximo post. Um 2016 de muitas realizações e muita saúde!!!

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  7. Perfeito Bruna, como todas as suas postagens. Tenho este mesmo sentimento que você expressou tão bem "nada sobre nós sem nós". Você fala com propriedade, pois vivencia a EM. Aguardo seu próximo post. Um 2016 de muitas realizações e muita saúde!!!

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  8. Oi Bruna,

    Como falei contigo por e-mail, nós devolvemos o texto para os médicos que nos dão consultoria/aprovação e eles confirmaram que nós erramos desta vez e realmente nos desculpamos por isso =/. O trecho já está sendo substituído no site e os e-mails reenviados com a errata.

    Com relação a envolver pacientes de EM nos projetos, você sabe que concordamos muito com você! Ao longo dos últimos anos, temos nos esforçado para ouvir e dar voz aos pacientes, através dos tantos encontros, fóruns e projetos que participamos juntos. O Vivendo como Você, por exemplo, vem sendo escrito exclusivamente por pacientes blogueiros no mundo todo. Outro exemplo é o blog da Blog da AME, que em 2016 vai prover conteúdos exclusivos escritos por vocês para o hotsite da Novartis e; até mesmo neste projeto da EM na Novela trouxemos um trecho do seu blog para tentar mostrar a realidade do relacionamento com a família, no post “Precisamos falar sobre a importância da família no tratamento da EM”.

    Mas, a gente realmente acredita que dá pra unir o conhecimento e a força de todos os lados envolvidos para informar cada vez mais pacientes. É bacana ter blogueiros, médicos, enfermeiros, indústria, pacientes, familiares e todos aqueles que se interessam pelo tema podendo participar desse processo. Além disso, a gente precisa respeitar um fluxo interno, estabelecido por lei que passa não só pelos médicos, mas por departamento jurídico, regulatório e por aí vai…

    Espero que entenda nosso lado! Afinal, sabemos que somos passíveis a erros e estaremos sempre dispostos a aprender com eles e corrigi-los. Muito obrigada por apontar este ajuste. O feedback de vocês é fundamental para que o objetivo de informar com qualidade seja alcançado!

    Qualquer ponto, me liga!

    Beijos,
    Flávia

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  9. Oi Bruna, tudo bem? Sou a Karina, falamos algumas vezes por email. (Meu liquor deu negativo, ressonância positiva). Sou intolerante a lactose (confirmado pelo exame) e embora os exames digam que não tenho intolerância ao glúten, retirei da alimentação e me sinto muito melhor. Sem todos aqueles desconfortos intestinais. Aquela velha história.... só a gente conhece o nosso corpo ne? Meu marido é intolerante também, ao glúten e a lactose. Tive que aprender a fazer bolos, tortas, tudo sem glúten e leite. O pão não conseguimos. Fizemos várias receitas(com e sem a máquina de pão) mas nunca deram certo. Então nós compramos. Tem alguns fornecedores aí do Sul de pães sem glúten e leite de soja. Se precisar de receitas, me escreve. Um brilhante e estupendo 2016 pra vocês! Abraço!

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    1. Oi Karina, pode mandar receitas!!! heheheheh
      Na verdade, eu não faço quase nada porque aqui perto de casa tem uma concentração de lojas que vendem produtos sem gluten e sem lactose... acho de tudo mesmo, até cuca alemã recheada. Se quiser, te mando pelo correio!!!
      Mas é bem isso, o negócio é conhecer a gente mesmo e fazer escolhas. Ponto!
      Bjs

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  10. Excelente texto Bruna! Isso me lembra muito minha sogra que dizia "DOENÇA SÓ QUEM SOFRE É QUE SABE" As vezes em minhas consultas com meu neuro chego a pensar que ele não está acreditando nos relatos dos meus sintomas, não sei se é devido a minha aparência facial que é muito boa ou porque sou muito brincalhona e procuro não me impressionar com o futuro. Mas vivo intrigada querendo saber porque há um ano não tenho novas lesões e meus sintomas só pioram, deve ser progressão da doença mesmo, mas os médicos costumam acreditar mais nos exames do que em nós fazer o que né.
    Bjos Bruninha!
    Que 2016 seja com mais realidade do que ficção para nós.

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    1. Oi Zeneide, tudo certo? Então, infelizmente não ter novas lesões não é sinônimo de não ter a doença né. O calor, por exemplo, já pioram os sintomas. As vezes uma noite mal dormida, uma comida que não cai bem, um estresse já fazem os sintomas diários piorarem.
      Se cuida!
      Bjssss

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