Oi gentes, tudo bem com vocês?
Comigo tudo ótimo. A temperatura no mundo tá mais agradável e tô juntinho do meu amor. A fadiga tem me pegado forte no meio da tarde. Mas sobre minha fadiga eu escrevo outra hora porque desde ontem estou para escrever para uma moça que me pediu uma ajuda pra um trabalho acadêmico sobre EM.
Pensei no que escrever e resolvi que queria compartilhar com todos o que ela me pediu.
Bem, ela me escreveu mais ou menos o seguinte quando perguntei o foco do trabalho:
O trabalho é acerca de doenças autoimunes e eu estou explorando esclerose múltipla, lúpus e doença celíaca.
À medida que estava a aprofundar a EM deu-me a sensação que desconheço por completo o que deverá ser ter essa doença, por isso queria incluir um relato, que poderá ficar em anônimo, duma pessoa que tem mesmo a doença e os maiores obstáculos com que se depara. Se por acaso sentir que há algum preconceito na nossa sociedade associado aos doentes de EM, poderá também falar acerca disso!
Ela já havia mencionado que sabia um pouco sobre os sintomas da doença e tal. E seu email me chamou a atenção pro fato de que todos estamos cansados de saber, na ponta da língua o que é a EM e seus principais sintomas. Aqueles dados que têm em qualquer site ou folheto sobre EM: A esclerose múltipla é uma doença do sistema nervoso central que mais atinge jovens adultos e blablabla... que tem sintomas dos mais variados do tipo blablabla... que pode acarretar em sérias deficiências e exige cuidados e blablabla... que não tem cura mas hoje existem diversos tratamentos e mais blablabla.
Não quero dizer que isso não é importante. Claro que é! Quanto mais informações tivermos sobre a EM, melhor para nós. Temos que entender minuciosamente essa doença que nos ataca de forma inesperada e que faz parte do nosso dia a dia.
Mas a verdade é que queremos saber como é viver com ela. Queremos relatos de pessoas que a conhecem e vivem com ela todos os dias há um dia, há um mês, há um ano, há tanto tempo que parece uma vida inteira.
Porque uma coisa é dizer que x números de pessoas vivem com a doença e que ela pode ter x sintomas. Outra coisa é você falar com uma pessoa que convive com ela. É você ouvir a pessoa dizer que tem fadiga e dor todos os dias há 14 anos e achar impossível que ela viva isso e seja feliz. Pois eu posso dizer que essa pessoa sou eu.
Há alguns dias, conversando com outras pessoas com EM, uma delas me disse: você não pode dizer que está mal ou que é difícil, porque assim os recém diagnosticados vão achar que é difícil, fora que eu não acredito nisso, olha só pra você, está aí feliz, sorrindo.
Fiquei chocada com o comentário! Uma pessoa com EM, que vive com ela e sabe de suas dificuldades e que não sabe o tamanho da dor que eu sinto acha que pode me julgar. Acha que a minha aparência é boa demais pra quem tá sofrendo. Como se sofrimento tivesse rosto. E, o pior, acha que eu não posso falar que é difícil. Descobri que é possível sofrer sorrindo, e ser feliz com dor. Que pena que algumas pessoas não entendem.
Pois então, começando a responder a pergunta do trabalho de Madalena, sim, é difícil. É muito difícil! Tem dias que dá vontade de jogar tudo pro alto. Mas como diz uma piadinha que rola por aí, não jogo tudo pro alto porque eu teria que juntar tudo do chão depois. E aí, seria trabalho demais pra alguém com fadiga intensa, dor, dificuldade de locomoção, falta de motricidade e de força muscular.
É verdade que a gente aprende muito com a doença. Mas aprende porque não tem outro jeito.
A EM exige inúmeras (senão infinitas) mudanças em nossas vidas. E são mudanças e adaptações diárias. Porque não há como prever como será o dia. Não dá para imaginar que se um dia foi bom estamos em uma fase boa que durará um tempo. Às vezes dura mesmo dias, meses. Às vezes é só um dia bom. E se acostumar com isso é um processo complicado.
É complicado ter uma companheira que definitivamente quer nos ver no chão. É difícil domar a EM.
E há como domá-la? Há sim. Não completamente, mas há formas de conviver bem com ela.
É necessário descobrir o ritmo do seu corpo. E esse ritmo varia dia a dia.
É necessário adaptar toda a sua casa e sua rotina às suas necessidades.
É necessário entender que você precisa de ajuda para fazer atividades antes relativamente simples.
É necessário estar atento a todos os sinais do seu corpo.
É necessário entender que você não é o dono da situação. Não é você quem decide o que pode ou não fazer. Mas você pode decidir como passar por essa condição de impotência.
É necessário saber que movimentar-se, ao contrário do que sempre você achou, não é algo natural. Que muitas vezes, pra mexer um braço, ou uma perna, ou mesmo a cabeça, você terá que pensar em como fazer com que cada milimetro do seu corpo se movimente. E como é complicado compreender que seu corpo é assim tão frágil!
Madalena me perguntou quais os maiores obstáculos de viver com a esclerose múltipla. Bom, eu acho que todos os sintomas da doença são terríveis. São limitantes. E acho que a imprevisibilidade de quando ela vai atacar com mais força também é assustadora. Então, talvez o maior obstáculo seja entender que a doença te tirou o poder de quando fazer as coisas. Tem muito a ver com o posto que escrevi há alguns dias "Quando a esclerose me tirou o quando".
E é por isso que, de algumas pessoas a EM tira a capacidade de sonhar. Porque torna-se difícil planejar.
Eu nunca deixei de sonhar (e sonhar alto e grande) porque a EM não me tirou a capacidade de me adaptar.
Porque eu entendi que se eu precisasse usar uma cadeira de rodas para me locomover, eu usaria, mas jamais iria parar completamente. Eu entendi que adaptações seriam necessárias. E não só adaptações físicas, mas psíquicas também.
E assim eu fui reinventando (ou seria inventando...ou seria construindo) a minha identidade com a doença. Minha identidade não é a doença, mas há muito dela na minha identidade.
Madalena disse que percebeu que desconhecia por completo o que é ter essa doença. Não se culpe, todos desconhecem até tê-la. E mesmo quem convive com a gente não consegue entender o que a gente sente.
Talvez o grande sofrimento de quem tem o diagnóstico seja o medo do desconhecido. Ao conhecermos melhor com o que estamos lidando, as coisas ficam menos pesadas. Ter informação de qualidade sobre a doença é importantíssimo para conviver melhor com ela. Mas para conhecer mesmo o que é ter essa doença, só há uma forma, e que eu não desejo pra ninguém, que é tendo ela.
Entretanto, apesar de ser impossível compreender o que é tê-la, é possível entender o que ela é, como ela nos afeta (física, psíquica e emocionalmente) para que possamos ter uma vida mais digna, mais tranquila em sociedade.
Há sim um estigma muito forte em relação a doença. E há muito preconceito. E há muita falta de compreensão. E isso tudo junto provoca muitas vezes outros problemas que não são inerentes à doença, mas, por conta de uma sociedade que não aceita pessoas diferentes, com deficiências e doenças, acabamos tendo, como o isolamento social, a depressão, a baixa auto-estima, um sentimento de inferioridade.
Acho que isso tem a ver também com o que eu escrevi no post recente "É normal que tudo mude". Porque as coisas mudam demais quando temos uma doença como essa. E as pessoas que estão a nossa volta também. E, ao contrário do que muita gente diz, que depressão é um sintoma da EM, não é não. A depressão é uma outra doença que quem tem EM pode ter por conta do comportamento social dela e dos outros. Como alguém que não é compreendido por amigos e familiares, que não tem a ajuda necessária para tarefas básicas do dia a dia como alimentar-se e tomar banho, que perde o emprego e não consegue outro porque ninguém quer empregar alguém com uma doença e muito menos adaptar local de trabalho, horários e rotinas, que não pode falar o que sente porque todos o condenam como alguém fraco e sem coragem vai ficar feliz e sorridente? Não dá né?
E mesmo quem tem família e amigos que apoiam, boa condição financeira, pouca deficiência e vive num ambiente adequado, as vezes se isola porque o fato de ter que se adaptar e aceitar um corpo doente diariamente é algo extremamente difícil, complicado e penoso.
Eu sei que parece meio deprê dizer tudo isso. Mas se eu não falar que é assim, estarei mentindo.
E ser assim não impede a gente de ser feliz, de viver bem, de se divertir, de produzir muita coisa legal, de sonhar, de realizar sonhos.
O maior obstáculo de viver com a esclerose? É justamente viver com ela e não por e para ela. Os sintomas são ruins, a imprevisibilidade da progressão é pracabá e o grande obstáculo é aprender a viver com tudo isso em um mundo que não dá valor a pessoas com doenças, que te trata como um ser humano de segunda categoria, que acha que você está no lugar errado.
Bom, não sei se consegui responder, porque a verdade é que como cada dia é diferente, cada dia eu diria uma coisa diferente também. E é por conta dessa inconstância que eu já escrevi 724 textos aqui no blog, para tentar explicar o que é viver com a EM todos os dias.
Facilitando um pouco (porque são textos demais), selecionei 6 textos pelos quais eu tenho um carinho especial e que conta um pouco do que eu sinto e da minha trajetória com a EM também:
1. Fala no encontro do Dia Mundial da EM em 2013:
http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/2013/05/o-encontro-do-dia-mundial-da-em-foi-show.html
2. A arte de ser uma diva: http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/2013/02/a-arte-de-ser-uma-diva.html
3. Como lidar com o diagnóstico: http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/2014/01/como-lidar-com-o-diagnostico.html
4. Ser feliz é melhor que ser normal: http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/2013/05/ser-feliz-e-melhor-que-ser-normal.html
5. Há mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça: http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/2013/05/ha-mais-estrada-no-meu-coracao-do-que.html
6. Eu apenas queria que você soubesse: http://esclerosemultiplaeeu.blogspot.com.br/2013/08/eu-apenas-queria-que-voce-soubesse.html
Não é preguiça de escrever não viu... mas como eu já disse tudo isso, acho que vale a pena reler. Eu reli todos e continuo concordando comigo. Espero que vocês também.
A proposta agora é ajudar a Madalena com seus comentários aí embaixo do post, tentando responder o que é pra você o maior obstáculo da EM. Quem aceita o desafio? (Estou curiosíssima pra ler).
Ah, e Madalena, pode usar o meu nome verdadeiro no teu texto, porque o que falta para as pessoas entenderem as doenças é justamente entender que elas não existem sozinhas, elas existem porque uma pessoa, com nome próprio e muita vida a possui. Precisamos falar de doenças falando das pessoas que as tem, porque não existe "doença em si".
Ah, e Madalena, pode usar o meu nome verdadeiro no teu texto, porque o que falta para as pessoas entenderem as doenças é justamente entender que elas não existem sozinhas, elas existem porque uma pessoa, com nome próprio e muita vida a possui. Precisamos falar de doenças falando das pessoas que as tem, porque não existe "doença em si".
Até mais!
Bjs
p.s.: essa semana vai ser corridíssima, mas eu to "de volta" antes mesmo do carnaval. Algumas coisas importantes serão decididas, resolvidas nos próximos dias, então, peço que torçam por mim e por nós, porque se der certo, garanto que todo mundo vai sair ganhando ;)