quinta-feira, 26 de março de 2020

Desabafos do isolamento

Chico pelas lentes do amigo José Isaías


Oi gente, tudo bem com vocês?
Quem diria que em 2020 estaríamos vivendo um episódio tenso de Black Mirror na vida real não é mesmo? E pensar que eu pedir que 2020 fosse mais gentil. E pensar que eu pedi que em 2020 eu pudesse manter minha sanidade mental.
Ficar em casa nesse período de isolamento social tem sido o menos difícil pra mim. Eu adoro minha casa e, por enquanto, não estou odiando muito ninguém com quem convivo...eheheh. Viver com o Chico é uma boa distração pra 24h, não existe monotonia com criança. Isso é bom e é ruim. Porque, enquanto uma galera aí tá dizendo que depilou um morango no quinto dia de quarentena, eu trabalhei dobrado, com filho pequeno em casa e sem dormir direito, porque minha cabeça não desliga.
Na AME e na CDD concentramos a produção de conteúdo tentando acalmar as pessoas, mas dando uma real sobre a gravidade do que está acontecendo. E escrever sobre isso, ler, ver relatos, fazer lives têm sido importante, mas bem pesado também.
Fora que parece haver um movimento global para que você não pare, nem por um segundo, nesse período de isolamento. As pessoas esqueceram que fazer nada é bom. Que brincar com a sombra é divertido e que, talvez, essa coisa toda esteja acontecendo para algum propósito.
Qual? Não faço ideia. Mas espero que as pessoas saiam muito diferentes quando tudo isso “acabar”. Espero que sejamos mais humanos, menos ansiosos, que gostemos mais dos nossos relacionamentos e que demos mais valor às pequenas coisas.
Tenho tido sintomas físicos do cansaço. Dormir pouco tem me deixado com olheiras. E a concentração, até pra escrever esse texto, fica looonge. Às vezes esqueço o que eu ia dizer no meio da frase. E tenho tido vertigem dia sim e dia também. Sei que tudo isso é resultado de dormir pouco e mal. Mas não sei ainda como resolver essa angústia que não me deixa relaxar.
Me sinto melhor quando escuto Francisco gargalhar. Quando sentamos em volta da mesa e falamos qualquer bobagem que não tenha a ver com doença.
Nos últimos dias tenho “voltado” mentalmente pra casa da minha vó. Fecho os olhos e de repente estou lá, na casa de madeira, com a chão rangendo quando piso. Vou pro quintal, sento na muretinha, embaixo das árvores. Claro que, se eu for, fisicamente lá hoje, não é mais esse lugar que eu guardo na lembrança. Na minha lembrança, esse é meu lugar de segurança.
Tenho tentado criar no nosso lar esse lugar de segurança pro Francisco. Uma criança que, com 3 anos já aprendeu a lavar as mãos corretamente e diz pros amigos em videochamadas: tem que ficar em casa pra proteger do coronavirus. Chico é muito sensível às emoções dos outros. Muito mais do que toda a família junta. Ele já sabe verbalizar saudade. Já diz que não quer falar no telefone com quem está longe porque dói. E dói em mim ouvir isso. Mas, ao mesmo tempo, quanto orgulho por ver nele uma fortaleza que não vejo em tantos adultos.
Aliás, vocês já tentaram encarar essa quarentena como as crianças? As crianças vivem o presente. O agora. Sem ansiedades de futuro. Sem remorsos de passado. Se divertem e são alegres no momento. E, se ficam tristes, se permitem chorar e ficar tristes no momento. Tenho aprendido muito com o Francisco sobre o tempo das coisas. Sobre a importância que damos para coisas desimportantes.
E esse aprendizado, que vem acontecendo desde que ele nasceu, foi importante para chegarmos nesse momento de isolamento social relativamente bem. E digo relativamente porque eu não posso dizer que estou realmente bem.
Estou preocupada com o mundo que vamos ter daqui pra frente. E me assusta lembrar do que o Jota disse quando o Chico nasceu, num tom profético: ele não vai conhecer o mundo que a gente conhece, mas um outro, um novo mundo.
Estou preocupada porque boa parte das pessoas que mais amo no mundo são do grupo de risco da Covid. Fiquei destruída na semana passada quando, em uma crise de medo, o Jota disse que estava com medo de morrer não só pela morte, mas porque ninguém poderia me dar um abraço nesse momento.
A morte nos rondou ano passado. A gente aprendeu a falar sobre a morte. A encarar a morte. E, por mais que não haja preparo para a morte, nós nos habituamos a ela aqui em casa. Semana passada eu tive o mesmo sentimento de quando o Jota internou em 2019. Aquele sentimento de “como vai ser se ele se for”. E é um sentimento que dói fisicamente, aperta na garganta, enfraquece o corpo.
Então, sim, eu estou preocupada. Estou tomando todas as medidas de prevenção. Estou em casa por mim e por todas as pessoas que não podem estar. Estou em casa para que as pessoas que necessitem de atendimento médico consigam ter. E para que esse pesadelo passe mais rápido.
Não sei quanto tempo ficaremos assim. Mas sei que jamais seremos os mesmos. Assim como depois de um diagnóstico. Nunca mais fomos os mesmos. E tudo bem. Porque pode ser que o os mesmos que estávamos sendo nem fosse tão bom assim.
Independente de religião, eu tenho fé de que a humanidade tem jeito. Tenho fé de que o amor e a compaixão vão nos salvar de qualquer crise social, econômica. Parece piegas, eu sei, mas eu acredito muito nisso. E é por acreditar nisso que sigo aqui. Sigo trabalhando, sigo acordando (muitos dias sem nem dormir), (mal)penteando os cabelos, e conversando com vocês.
Porque eu acho que, por mais difícil que esteja sendo, a gente não precisa passar por isso tudo sozinhas. Assim como eu escrevo aqui para desabafar, escrevam, conversem, usem as redes sociais. Não fiquem sozinhas. Estamos todas juntas. E juntas vamos vencer, mesmo com medo, com cansaço e com o que mais vier.
Até mais
Bruna




Em tempo: sigo em quase todas as resoluções para 2020... acrescentando SOBREVIVER a elas, claro! ehehhehehe