Oi gente, tudo bem?
Bom, hoje quero comentar um pouco sobre o novo tratamento do
Jota e como eu me sinto com isso. Para quem não sabe, o Jota tem EM primária
progressiva. Isso quer dizer que até basicamente ontem não tinha tratamento pra
ele. Ele chegou a testar os remédios indicados para outros tipos de EM, sem
sucesso.
Em fevereiro desse ano o Ocrevus foi aprovado no Brasil, em
maio ganhou preço e foi aí que entramos com uma ação judicial para ter o
remédio. Esperamos que logo ele seja disponibilizado pelo SUS, mas como a EM do
Jota já está num estágio avançado demais até
mesmo para esse medicamento, resolvemos começar o mais rápido que desse.
Estamos gravando vídeos para contar sobre com tem sido as
reações e vocês podem conferir no Youtube. Porque aqui eu quero escrever sobre
outros aspectos, que não falamos lá.
Em poucos dias vimos algumas diferenças, como uma mobilidade
melhor do braço. Se é real ou efeito placebo, não sei, só sei que chorei de
alegria quando consegui abrir o braço esquerdo dele na hora do banho. Só eu sei
a força que era necessária para lavar em baixo do braço. Fora isso, o
medicamento parece ter dado um novo fôlego pra gente.
Como a maioria de vocês sabem, o Jota está dependente
fisicamente pra tudo, usa cadeira de rodas motorizada para se locomover, ou
seja, a deficiência física está num estágio bem avançado. E, ao contrário do
que a maioria das pessoas pensa, deficiência na vida real não é que nem as de
novela, que a pessoa adquire, “aprende alguma lição com ela” e aí se cura.
A gente até já falou pro universo que aprendemos bastante
com a deficiência dele e que ok, ele pode voltar a ter uma mobilidade melhor já
que já aprendeu a reclamar menos, a entender que na vida nada é garantido, a
aproveitar um dia de cada vez, que tudo bem pedir ajuda, que a vida pode ser
feliz sendo diferente daquilo que se tinha imaginado, que tudo é adaptável e
outros inúmeros aprendizados. Mas, pasmem, não é assim que funciona. A
deficiência continua ali.
Então, ter um tratamento possível, mesmo que seja para que
não haja mais perdas funcionais, é algo bem importante. A saúde mental e
emocional melhoram quando o nível de esperança aumenta. Nesse sentido, esse
tratamento tem sido um gás pra gente.
E eu digo pra gente porque eu sei que o diagnóstico, a
vivência da doença não é algo que se passa sozinho. Por mais que a dor, os
sintomas, os medos sejam muito mais nossos, de quem tem a doença na pele,
nossas famílias sentem tanto quanto, senão mais, o que é ter a doença. E aí eu
e o Jota tivemos um pequeno desentendimento antes da segunda dose do remédio,
semana passada.
Era pra ele fazer a medicação 15 dias depois da primeira.
Passou 14 dias, o hospital não tinha leito. 15, e não tinha leito. Quando
chegou no 16, estávamos às vésperas do aniversário do Francisco, o pai do Jota
ia chegar pra visitar e ele disse: vou ver com a médica se tudo bem atrasar
mais e eu fazer semana que vem, porque se o hospital me chamar só amanhã EU NÃO
VOU!
Eu perguntei: como assim não vai? E ele, enfático: NÃO VOU!
Aquilo bateu em mim com a força de um soco no estômago e um
rasgo no coração. Na hora eu não quis discutir. Tinha pessoas demais em volta.
Mas depois eu falei pra ele, que esse tratamento não era só pra ele. Que as
coisas, afinal de contas, não eram somente sobre o que ele desejava. Eu sei
quantas festas de família, férias, viagens etc. deixei de fazer por conta de
tratamento. Tudo porque o tratamento, cuidar de mim, não é só sobre mim. É
sobre todos que me amam, me acompanham e estão comigo nessa jornada. E apesar
de ser tentador essa atitude egoísta de dizer “é a minha vida, eu que decido”,
bem, pode até ser, se você quiser realmente passar por tudo isso sozinho.
Foi tenso, foi difícil, foi doloroso falar sobre isso.
Acabamos concordando que sim, ele faria no dia que fosse. E acabou que foi na
manhã do dia seguinte e deu tudo certo.
Tudo isso pra dizer que talvez, eu, como esposa, cuidadora,
amiga, seja um pouco egoísta querendo que ele pense em mim, no Francisco, em
todos nós quando pensa no tratamento. Talvez ele tenha sido egoísta ao não
querer fazer algo de um jeito diferente do que tinha sido planejado e decidido
isso sozinho. Talvez eu tenha sido exigente demais. Talvez ele não tenha medido
as consequências e responsabilidades direito. Fato é que, assim como ele fez
parte da decisão da amamentação e da volta do meu tratamento, porque a minha
vida e meu cuidado não dizem respeito só a mim; é importante pra mim que ele
entenda que o tratamento dele não é só sobre ele. Claro que no fim das contas a
gente pode fazer apenas o que quer e ponto final, mas isso pode acabar minando
relações e acabando com nossas redes de cuidados.
E isso de falar que “nem tudo é só sobre você” é uma forma
de dizer que não, você não é o centro do universo, mas também de dizer que sim,
você é muito importante para mim nesse universo.
Até mais
Bjs
Em tempo: depois de escrever esse texto me caiu nas mãos um exemplar do Pequeno Príncipe... e por mais irritante que possa parecer essa afirmação, ela está correta: tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas!
Em tempo 2: olha nosso vídeo sobre a segunda dose do Ocrevus e não perca nenhum vídeo nosso no Youtube se inscrevendo no canal: