Oi pessoal, tudo bem com vocês?
Sim, eu sei...prometi escrever mais e não tenho escrito. Mas, como dizem, a gente escreve mais quando se está triste, porque quando se está feliz, a gente vive...hehehe
Bem, estou muito bem mesmo. Tenho trabalhado bastante, participado de alguns eventos e isso me enche de alegria. Às vezes eu paro e penso em como eu tenho me tornado as pessoas que eu admiro. Quer dizer, sempre admirei mulheres que sobem num palco e falam com segurança de um assunto que dominam. E, de repente (tá...nem tão de repente assim), me vejo fazendo isso. Sem falsa modéstia, tenho me considerado um sucesso. E espero que esse sentimento permaneça comigo.
Um dos motivos para eu estar assim, felizona, foi eu ter sido indicada por duas queridas amiga (Fernanda e Vitória) para falar no Seminário Educação e Preconceito, que aconteceu na última quinta-feira na Assembleia Legislativa aqui do RS. Quando me dei por conta, eu tava lá, sentada no palco, ao lado de mulheres ma-ra-vi-lho-sas, com histórias de vida lindas, para representar as mulheres com deficiência naquele debate. A responsabilidade era muito grande e me senti absurdamente honrada com a indicação e a confiança. Saí de lá com o sentimento de esperança, além de ter recebido muitos abraços verdadeiros, daqueles que nos envolvem e transmitem amor, sabe?
Bem, quero compartilhar com vocês todas e todos, que não puderam estar presente, a minha fala. Preparei um texto para não me perder no momento e é esse texto (textão) que deixo hoje pra vocês. Espero que gostem, que se sintam representadas também. E quem tiver facebook, pode ver o Seminário na íntegra no facebook: (sugestão: pega um lencinho!)
Boa
tarde a todas e todos, antes de tudo, gostaria de agradecer a oportunidade e
dizer da honra que sinto em ocupar esse lugar hoje. Obrigada!
Bem,
estou aqui como mulher, como mãe, como professora, como pessoa com deficiência
para falar sobre educação sem preconceito. Confesso que não é fácil dizer em
pouco tempo tudo que se tem a dizer sobre o tema preconceito, educação e
deficiência. Mas tentarei falar, a partir da minha experiência enquanto mulher
com deficiência e pesquisadora do campo, alguns tópicos que me parecem ser
importantes.
O
tema da inclusão da pessoa com deficiência em espaço escolar me surgiu muito
cedo na vida. Mais precisamente quando eu tinha meus 7 anos e fui para a escola
regular e minha irmã, com deficiência intelectual, foi para a escola especial.
Certo dia ela perguntou para a minha mãe: mãe, porque eu não vou pra mesma
escola da mana? E tem gente que acha que ela é bobinha... Eu com 7, ela com 9
anos, nos vimos diferentes pela primeira vez. A escola estava nos dizendo que
não pertencíamos ao mesmo lugar. Minha mãe não se viu por vencida e lutou para
que ela pudesse ir na mesma escola. A luta não foi totalmente em vão, mas na
época, o máximo que conseguimos foi uma turma especial. Uma inclusão
completamente excludente. Ouvi a minha própria professora dizendo no corredor
da escola: “Deus me livre dar aula pros loquinhos”.
Anos
depois, quando ela chegou da escola de artes com o olho roxo, tivemos de ouvir
da direção da escola que o menino que bateu nela não tinha culpa, afinal, ela é
quem não era adequada ao lugar. Quando um familiar um dia pediu pra ela, que
não foi alfabetizada ler algo em uma embalagem na mesa do café, ela saiu
correndo. Vi ela perguntar pra minha mãe porque as pessoas só gostam de quem
sabe ler.
Pouco
tempo depois, eu tive o diagnóstico de uma doença degenerativa, incurável e que
causa diversas deficiências. Estava no ensino médio e fiquei muito tempo
internada para fazer tratamentos, perdi movimento de braços e pernas e parte da
visão. Vivi isso nos meus últimos anos dentro da escola e não tive atenção
nenhuma da escola. Pensei em parar de estudar. Era muito duro saber que todos
estavam olhando para mim e fazendo de conta que eu não estava ali.
A
deficiência em sala de aula, tanto na educação infantil quanto no ensino médio
é algo muito complicado. A maioria dos professores e diretores preferem nos
tratar como se não estivéssemos ali. Porque se eles perceberem nossa presença,
sabem que terão mais trabalho. O professor que se depara com um aluno com deficiência
sabe que não vai poder dar a mesma aula que ele tem preparada há anos para
alunos daquela série, com aquela idade. A deficiência dá medo, em alguns dá
nojo. A deficiência continua sendo para as escolas uma atração de circo dos
horrores. Todos enxergam, todos veem, todos apontam, mas ninguém quer perto de
si. Hoje minha deficiência é invisível, afinal, não preciso mais da minha
bengala por conta da mobilidade reduzida. Mas nunca me senti tão invisível aos
olhos do mundo do que quando precisei de cadeira de rodas ou bengala.
O
movimento das pessoas com deficiência tomou mais corpo a partir da década de
1970, quando começamos a entrar nas universidades. Mais ou menos junto com a
terceira onda do movimento feminista. Mas é importante salientar que pessoas
com deficiência da minha geração e de gerações anteriores a minha chegaram aos
bancos da faculdade por conta de um esforço tremendo de nossas famílias para
que ali chegássemos. Não foi nenhuma lei ou política pública que nos permitiu
acesso a esse lugar.
Hoje
estou no meu pós-doutorado em Educação. Divido a alegria de ter colegas cegos,
surdos e com deficiência física no campus. Mas compartilho, principalmente, a
dor de não ser bem vindo nesse espaço. Atualmente temos leis que nos garantem o
direito à educação, temos políticas públicas como a reserva de vagas tanto no
vestibular quanto nos programas de pós-graduação, mas não temos acessibilidade
arquitetônica nas escolas e universidades, não temos acessibilidade
metodológica e não temos, principalmente, acessibilidade atitudinal.
Até
agora falei mais de espaços de educação formais, como a escola e a
universidade, mas acredito que temos que lembrar dos espaços de educação não
formais, que é o mundo inteiro. Aprendemos a todo momento, a todo instante com
nossas experiências. Mas como uma criança com deficiência vai aprender algo com
o mundo se ele não é acessível? Nossas atrações midiáticas não são acessíveis,
nem nossos museus, nossos cinemas, nossos parques. Nem para crianças, nem para
adultos.
Quando
saímos na rua e percebemos que não podemos entrar num bar, num teatro, num
museu, lemos, claramente o aviso: “você não é bem vindo aqui”. Isso vai nos
machucando, nos calejando. E se não temos famílias que nos apoiem, é muito,
muito fácil nos fecharmos em nossas casas. Não são todas as famílias que têm a
visão de que o espaço público é para todos e todas, com e sem deficiência.
Muitas pessoas com deficiência não saem com medo de incomodar, porque ouviram
tantas vezes que elas incomodam que acabam acreditando nisso.
Muitas
crianças com deficiência não vão à escola porque as famílias ouviram que não
adianta levar, que ela não vai aprender. Que é melhor ela ir pro médico, pro
fisioterapeuta, pra fonoaudióloga, pra psicóloga para ela “melhorar”. Acredito
sim que tratamentos especializados são importantes, mas a participação social é
enriquecedora. Não queremos ser medicalizados, esquadrinhados, colocados em
rótulos de diagnósticos e prognósticos que digam até onde podemos ir, ou o
quanto podemos aprender. Queremos apenas viver.
E aí,
quando uma de nós chega a um lugar de destaque, ou consegue fazer algo
grandioso como ser mãe, a sociedade nos coloca em um grande pedestal dizendo:
que exemplo de superação, como ela teve sorte. Pois eu lhes digo, não é nem uma
coisa nem outra. Não é sorte, é trabalho. É muito trabalho. É uma luta
constante e de muitas pessoas. É uma luta que vem lá da década de 1970 com os
primeiros movimentos pró inclusão. E não é superação, porque nós não queremos
superar a deficiência. Ela faz parte de nós, parte das mulheres que nos
tornamos. A deficiência não é algo é ser superado e curado. Ela faz parte de
nossas vidas e precisa ser vista, falada e aceita como parte de nossas
identidades.
Doenças
e deficiências em nossa sociedade foram narradas durante muito tempo apenas
pela medicina. E até hoje acreditamos muito que é a medicina que tem que dizer
sobre nós. Mas, no movimento da pessoa com deficiência temos um lema: nada
sobre nós sem nós. Quem deve falar sobre a experiência da deficiência somos nós.
E não a medicina que apenas quer nos consertar e que, muitas vezes nos vê
apenas a partir da falta. A escola aprendeu com a medicina a nos ver a partir
daquilo que nos falta, seja o movimento, a visão, a audição ou a capacidade
cognitiva. Nós aprendemos convivendo com outras pessoas com deficiência a ver o
que importa. E o que importa não é a falta. São as potencialidades.
Muitas
pessoas dizem: eu não tenho preconceito com a pessoa com deficiência. Mas é só
ver uma pessoa com deficiência chegar ao topo para dizer: que lindo, que
comovente, nem parece que tem uma deficiência. Há duas semanas o grande físico
Stephen Hawking morreu, e eu quase surtei diante de tanto capacitismo. Esse é o
nome dado ao preconceito a pessoa com deficiência. Era tanto “nem parece que
ele tinha uma doença ou que lição de vida, precisamos ter vergonha de reclamar
da vida”, que dava até um enjoo.
As
vezes as pessoas dizem, mas eu falei sem a intenção. Então eu ensino o seguinte
teste, principalmente para mulheres, que em sua maioria, sofrem com o machismo.
Se você for comentar algo sobre uma pessoa com deficiência e trocar pela
palavra mulher, fica parecendo preconceituoso? Tipo, ficou tão bom o trabalho
que nem parece ter sido feito por uma mulher. Então, pronto, é capacitismo.
É
importante lembrarmos que somos iguais em nossos direitos. Que toda pessoa tem
direito a educação, a saúde. Mas para que isso se efetive, temos que tratar
cada um de forma diferente, de acordo com suas necessidades, para que tenhamos
uma equidade. Tratar diferente os diferentes para que se tornem iguais.
Vejo
professores, tanto de escolas como de universidades, reclamando porque tem que
adaptar suas aulas aos seus alunos. Fico espantadíssima com isso, porque eu
sempre pensei que o mais importante no processo de educação fosse que o aluno
aprendesse, logo, independente do caso, sim, é lógico que devemos adaptar
nossas aulas e ferramentas para que o aluno aprenda. Se o importante fosse
saber se o professor sabe o conteúdo, aí sim, a aula seria voltada a necessidade
do professor.
Voltando
a minha experiência, quando eu voltei pra escola, mal conseguindo segurar uma
caneta na mão, pedi para gravar em áudio as aulas, já que teria que decorar
tudo. Não foi concedido, porque não estava nas normas da escola. Pedi mais
tempo para realizar as provas. Não foi concedido, porque não estava nas normas
da escola. Pedi autorização para ir ao banheiro fora do intervalo, porque eu
não tinha controle de bexiga. Não foi concedido, porque não estava nas normas
da escola. E isso tudo me causou constrangimentos e problemas desnecessários.
Afinal, que raio de norma é essa que causa sofrimento ao aluno?
Estamos
ainda muito ligados a normas que não pensam na diversidade em sala de aula. Em
regras que não vislumbram pessoas com diversas necessidades e diferenças em
nosso mundo. Desenhamos espaços, escolas, universidades, serviços de saúde,
atrações artísticas e midiáticas sem lembrar das pessoas com deficiências. E
sem lembrar que doenças e deficiências não são privilégios nem questão de sorte
e azar. Atingem toda nossa sociedade. Porque se eu não posso conviver com todas
as pessoas porque elas não têm acesso a todos os lugares, eu perco com isso.
Fiz
meu estágio docente do doutorado na disciplina de inclusão, e me arrepiava cada
vez que uma aluna chegava dizendo: tenho X alunos e tantos são de inclusão.
Como assim? Os demais são de exclusão? A inclusão social não é apenas para a
pessoa com deficiência. A reserva de vagas não é só para quem as usa. É para
que toda a sociedade possa conviver com as diferenças e aprender a viver com
elas.
Se
hoje muitas pessoas se veem em desespero ao se deparar com uma doença ou
deficiência, achando que é o fim de suas vidas. Ou, se muitas pessoas ainda
acham que pessoa com deficiência vivendo plenamente e feliz é exemplo de
superação é porque cresceram sem ter esse contato. Muitos adultos de hoje
passaram uma infância e adolescência sem nunca ter convivido com alguém com
deficiência. E isso explica o medo de muitos ainda ao se aproximar e falar com
alguém com deficiência. Isso explica o medo que nossos professores em escolas e
universidades têm quando nos veem sentadinhos em suas salas de aula.
Conviver
com pessoas com deficiência torna o que era desconhecido, natural.
Muitas
vezes as pessoas nos dizem: mas eu não sei como ajudar alguém com deficiência.
Pergunta! Não é feio não saber. Feio é querer continuar na ignorância.
Bem,
eu comecei minha fala dizendo que eu falaria também como mãe. Há um ano e três
meses eu e meu marido, que também tem deficiência, trouxemos o Francisco ao
mundo. Uma grande responsabilidade. Ato que foi considerado por muitas pessoas
uma loucura, afinal, duas pessoas com deficiência com um filho... quem vai
cuidar? Pra que isso? E se ele tiver uma deficiência também? Essas foram algumas
das perguntas que ouvimos.
Antes
de engravidar eu sabia que eu queria ser mãe. Apenas isso. Do filho que viesse.
Ela podia ter deficiências, doenças, o que fosse, porque eu sei que a vida de
alguém com deficiência e doença vale tanto quanto qualquer vida. E porque o
mundo tá tão caótico que eu queria poder educar alguém para ajudar na luta por
um mundo melhor. Sei de mais mulheres com deficiência que tiveram o mesmo
problema que eu: encontrar uma equipe médica que aceitasse acompanhar.
Encontrar um serviço de saúde que fosse adequado. Sobre o direito da mulher com
deficiência ser dona de seu corpo, sua sexualidade e seu direito a maternar é
outra conversa importante, que talvez não seja o momento.
Francisco,
que deve estar tirando seu cochilo agora, é uma criança feliz, que chama todo
cadeirante que vê na rua de papai, porque a cadeira de rodas pra ele está
ligada a alguém a quem ele tem muito afeto. Ele não sabe que a sociedade pensa
que a tia dele, deficiente intelectual com esquizofrenia não alfabetizada, não
serve pra nada, e a primeira palavra dele foi Tata, pra chamar essa tia amorosa
que fez toda diferença na trajetória de vida da mãe dele e que certamente fará
na dele. Porque, sim, minha irmã, a gente ama quem não sabe escrever. Nem todo
conhecimento que importa no mundo é letrado. Ele vai saber desde pequeno que
ficar internada no hospital para tomar remédio é rotina da mamãe, que fazer
fisioterapia e tomar remédios é a rotina do papai. Eu quero que ele saiba não
apenas respeitar, mas reconhecer as diferenças como potencialidades. Que na
escola que ele frequente no futuro a diversidade seja um valor a ser exaltado. Que
as crianças com deficiência que frequentem essa escola brinquem, se divirtam e
não sejam limitadas pelos seus diagnósticos. Eu quero que ele possa ser quem
ele quiser. E não me refiro apenas a questão da deficiência. Eu quero isso pro
meu filho, e pra todas as nossas crianças. E se ele tiver uma deficiência, eu
não quero que ele passe pelos mesmos constrangimentos que eu passei e que o pai
dele tem passado na universidade atualmente. Quero que a luta das nossas
crianças seja pela continuidade do direito a diversidade.
E pra
isso, eu preciso do entendimento e do engajamento de toda uma sociedade que
precisa parar de ignorar a pessoa com deficiência e, quando olhar para ela que
não sinta pena ou medo. Obrigada!
Olá, boa tarde! sou de salvador, me chamo fabiana. vc pode me indicar um bom neuro por aqui? acho que sou portadora da em e preciso de um diagnóstico..já passei por um neuro, mas, não senti confiança. no aguardo da sua ajuda! obrigada
ResponderExcluirChorei com o texto. A E.M. participa da minha vida desde os 15 anos, atualmente curso a faculdade em uma universidade de fronteiras e mentes abertas, e venho sofrendo tudo isso que citou acima, é uma pena que tenhamos que lidar com isso :(
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