sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Especialista de que mesmo?


Oi gentes, tudo bem com vocês?
Por aqui tudo bem. Quer dizer, tô sapateando com uma coisa que li e não sabia se ria de tanto absurdo ou se chorava porque um profissional de saúde é tão ignorante e um meio de comunicação tão irresponsável... 
Bem, vamos lá, recebi da querida da Mariana o link pra uma matéria da Uol intitulada Doença incurável de Romero desaparece em A Regra do Jogo; saiba por quê Li e fiquei pasma com quase tudo, mas muito mais com uma fala de um psicanalista que nem dá pra dar adjetivos porque vou perder a compostura...
Acontece que, seguidamente as pessoas me perguntam porque eu não falo da EM na novela e eu sempre respondo que eu não posso comentar sobre o que não existe. E confesso que eu fico bem feliz que o autor tenha esquecido a doença na trama. Afinal, se era pra falar bobagem, melhor que não fale nada mesmo. Eu já previa que o que viria não seria bom, como falei nesse post antes de começar a novela. E depois da semana do diagnóstico disse pra vocês, aqui: sobreviveremos à novela e continuaremos a ter a doença depois que a novela acabar. Assim como aconteceu depois que Queridos Amigos (2008) acabou, o personagem com EM morreu e a gente continuou aqui, firme e forte e com EM. 
Bom, fato é que, como também já disse, só quem se preocupa com a EM do personagem é quem tem a doença. E eu, tendo a doença, acho melhor que ela seja esquecida pelo autor do que seja retratada de forma ruim. E, como a estatística comprova (isso tá na minha dissertação de mestrado), novelas não costumam retratar doenças e deficiências de forma respeitosa com aqueles que a tem na vida real, então não esperava que fosse diferente. Poderia ter sido bom como foi com o câncer da Carolina Dieckman ou como a esquizofrenia do Tarso (tá reprisando agora)? Sim, podia. Mas esses dois casos são uma gota no oceano das novelas com personagens mal escritos e realidades fantasiosas. 
Mas voltando à matéria que me fez voltar ao assunto, o tal do psicanalista que diz:
"A pedido do Notícias da TV, o psicanalista e psicoterapeuta corporal Sergio Savian analisou a trajetória de Romero na trama. Ele aponta que, diante de tudo o que aconteceu, para compensar, o protagonista deveria ter uma recaída fatal com a doença se manifestando de forma avassaladora. 
Para o psicanalista, existe coerência entre a personalidade de Romero e a doença que ele apresenta. Os portadores da esclerose múltipla costumam ter uma desconexão básica de si mesmos, de suas próprias necessidades. "Diante das injustiças do mundo, da vontade e impossibilidade de mudá-lo, usam toda a agressividade contra eles mesmos. Assim, o indivíduo doente canaliza as suas forças para a autodestruição. No fundo, Romero não gosta de si, não se aceita do jeito que é, vive em conflito com isso. E uma forma de se punir seria desenvolvendo esta doença autoimune, voltando-se contra si mesmo", analisa Savian."

Honestamente, se ele estivesse cara a cara comigo e falasse isso eu só poderia rir diante de tamanha ignorância. Dizer que doença autoimune é falta de amor próprio é no mínimo desrespeitoso, desonesto e mau caratismo. Vejam só, médicos especialistas do mundo inteiro que estudam doenças auto imunes não sabem a causa da EM, mas ele, psicanalista chinfrim sabe: falta de amor próprio.
Sério gente, não fosse triste saber que alguém com mente tão tacanha tem um diploma que o permite clinicar, é quase engraçado isso. Pior é que, se ele ler esse texto que escrevo agora, vai dizer que é minha raiva que me faz doente (sem nem se dar conta que quem causa minha raiva, agora, é ele). Não importa se ele me conhece ou não, conhece minha história ou não, sabe como eu me porto ou não perante a vida... ele simplesmente colocou todas as pessoas com doenças autoimunes no mesmo saco e disse: vocês todos não se amam e por isso seu corpo faz isso contra você, é um auto-castigo.
Tenha dó!
Tem um trecho de um texto do Dr. Drauzio Varela sobre essa coisa de que nosso pensamento nos deixa doentes que acho que resolve bem minha resposta a essa m... de matéria com essa citação de m... de um psicanalista de m...:
 "[...] A crença na cura pela mente e a ignorância a respeito das causas de patologias complexas como o câncer, por exemplo, são fontes inesgotáveis de preconceitos contra os que sofrem delas. Cansei de ver mulheres com câncer de mama, mortificadas por acreditar que o nódulo maligno surgiu por lidarem mal com os problemas emocionais. E de ouvir familiares recriminarem a falta de coragem para reagir, em casos de pacientes enfraquecidos a ponto de não parar em pé.
Acreditar na força milagrosa do pensamento pode servir ao sonho humano de dominar a morte. Mas, atribuir a ela tal poder é um desrespeito aos doentes graves e à memória dos que já se foram" 
Só escrevi isso tudo e chamei eles de m... porque não deve ser benéfico guardar sentimentos ruins dentro de si. Isso faz parte da terapia, não quero me autodestruir, como ele diz #ironia #hahaha
Até mais!
Bjs

sábado, 16 de janeiro de 2016

Sobre teimosia e empatia


Oi queridos, tudo bem com vocês?
Quantas vezes você, que tem esclerose, já ouviu que é muito teimoso? E quantas vezes já repetiu esse discurso de que quem tem doença é teimoso?
Eu fiz isso inúmeras vezes. Mas, a verdade, é que chamamos de teimosia aquilo que ainda não tem nome e que, aqui, vou chamar de vontade de normalidade.
Acontece que, quando você perde a capacidade de fazer coisas simples como comer sozinha, andar sozinha, tomar banho sozinha, o teu cérebro continua achando que pode fazer o que fazia antes. E aí a gente se testa. A gente testa pra ver o quão dentro da normalidade social a gente se encontra. Se testa pra tentar ajudar quem nos ajuda. Se testa pra ver até onde consegue ir. Tem dias que dá pra cortar uma carne no prato. Tem dias que mal dá pra pegar a comida com colher.
Mas aí vem o mundo e chama a gente de teimoso. Durante muitos anos eu acreditei que eu era teimosa. Que quando eu tentava caminhar mais do que podia e ficava ruim, era culpa da minha teimosia. Que quando eu tentava cortar a comida e cortava a mão, era culpa da minha teimosia. Que quando eu caía tentando colocar a roupa, era culpa da minha teimosia.
Hoje eu consigo fazer todas as atividades básicas diárias sozinha. E consigo ajudar o Jota a fazer as dele também. Caminhar muito, subir e descer escadas continua sendo um martírio. E eu continuo sendo chamada de teimosa por sair em dia de sol, por fazer as compras do mercado, por tentar resolver a vida.
Há alguns dias o Jota caiu no banheiro aqui de casa (ainda não consegui quem faça a reforma pra ele ficar ainda mais acessível). No meio da noite ele quis ir ao banheiro, mesmo tendo o papagaio ao lado da cama para as urgências da noite. Mas naquela noite ele insistiu pra ir no banheiro e acabou caindo. Nossa sorte é que não se machucou. Eu fico nervosa quando ele cai, meu medo é que ele se machuque. Quando deitamos novamente eu chorei. Chorei litros. Porque só eu sei o quanto dói não conseguir segurá-lo antes dele ir ao chão. Ele ficou de cara amarrada. Quando eu perguntei se não ia dizer nada ele disse: não, eu sei que sou teimoso e que fiz coisa errada.
Juro, a última coisa que eu pensei quando ele caiu foi que ele era teimoso e que tinha feito coisa errada. Porque, depois de ver que ele não estava machucado e que estava tudo bem, o meu pensamento foi de que tudo que ele queria era um pouco de normalidade. Não era teimosia, era vontade de "ser normal". De, ao ter vontade de fazer xixi no meio da noite, se levantar e ir ao banheiro, como ele sempre fez. Isso era o padrão do corpo dele há menos de dois anos. É natural que o cérebro dele pense que o corpo ainda consegue.
Querer fazer algo não é teimosia. É verdade que pode ser frustrante. Perigoso até. Mas só quem passa sabe o que é essa vontade de conseguir fazer o que se fazia até ontem. Por isso, não nos julguem como teimosos quando tentamos, nem como mal humorados quando não conseguimos. É fácil julgar, apontar o dedo e chamar de teimoso quando se está de fora.
E, por mais que as pessoas tentem se colocar no lugar de quem passa, vou dizer uma coisa pra vocês: vocês jamais saberão o que é. E espero que continuem sem saber, porque a única forma de saber é passando.
Ou talvez, tendo empatia. Mas empatia de verdade. E empatia é ouvir sem julgamentos. Hoje, depois de ter escrito esse post, vi um vídeo que explica melhor tudo o que eu estou dizendo:


De agora em diante, só aceito o rótulo de teimosa quando realmente for teimosia. Engraçado que as pessoas costumam taxar de teimosia tudo que é discordante daquilo que elas pensam ser o certo. Tipo, "se você não faz do meu jeito, então é teimoso...porque o meu jeito é o certo". Então, quando a gente chama alguém de teimoso, isso diz muito mais sobre a gente do que sobre quem estamos falando. Na verdade, sempre que chamamos alguém de alguma coisa, diz mais sobre a gente do que sobre o outro. Por isso que é bom relativizar os fatos e tentar entender que o outro deve ter seus motivos.
Até mais
Bjs

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Nada sobre nós sem nós

Oi gentes, tudo bem com vocês?
Comigo tudo ótimo! Fora o fato de que está faltando Avonex na famácia do Estado (lamentável), tudo certo!
Bom, mas hoje quero falar sobre outra coisa. Sobre o "poder" que damos à medicina e que, convenhamos, exageramos.
Não, não quero dizer que medicina não serve pra nada. Pelo contrário. Confio muito na medicina. Mas não acho que os médicos saibam melhor sobre a minha saúde e doença do que eu.
Deixa eu ver se consigo explicar meu ponto de vista...
Ontem recebi um post feito no site da Novartis sobre estabilidade da doença, comparando com o personagem da novela A regra do Jogo (acesse aqui). Li e achei ruim em vários aspectos. Respondi ao pessoal da assessoria de comunicação deles que não é bem assim como eles escreveram. Estar em remissão, ou seja, não ter um surto ou lesão nova por um tempo não é sinônimo de não ter sintoma e/ou sinal da doença no dia a dia. Digo isso por experiência própria. Estou há anos sem lesões novas e há um ano sem surto. E não há um único dia na minha vida que a doença não se manifeste de alguma forma. Se eu estou bem é porque a minha rotina é pensada conforme eu me sinto, levando em conta todos os sintomas da doença que tenho mesmo com um ano de remissão de surtos.
Fora que lá está escrito que nos primeiros anos a doença costuma ser mais leve... ok, pode até ser que algumas pesquisas demonstrem isso. Mas não é beeem assim. Afirmar que remissão é não ter sintomas e que nos primeiros anos a doença é mais "leve" pode ser até cruel com quem tem a doença e nunca sentiu isso seja com 5, 10 ou 15 anos de doença, como é meu caso. Gente, parem de comparar a doença real com a da novela. Na novela ela simplesmente não existe!!!!
Bom, mas não é bem sobre isso que eu quero falar. É sobre a resposta que eu recebi. O pessoal da assessoria prontamente me respondeu (elas são uns amores) dizendo que iam falar com os médicos que assessoram elas na escrita dos textos, afinal, elas não tem EM e quem as ajuda nos textos são os médicos. Os grandes detentores das verdades sobre nós.
Isso me incomodou um pouco. Não porque eu ache que eu saiba "A" verdade. Até porque, verdade também depende de ponto de vista. Mas porque eu levo muito a sério uma frase que usamos no movimento das pessoas com deficiência e que está fazendo muita diferença nas nossas vidas: Nada sobre nós sem nós!!!!
Acho que quem quer escrever sobre viver com EM, precisa sim consultar quem vive com EM e não os médicos. Os médicos entendem da parte científíca da coisa. A gente entende de viver 24h por dia com a doença. Fora que, a medicina vive "mudando de opinião". Quer dizer, a ciência hoje descobre uma coisa, amanhã descobre outra melhor, depois de amanhã descobre que é o contrário. O que ontem era comportamento, hoje é doença. O que hoje é doença, amanhã é degenerescência. E assim vai. Isso não quer dizer que a medicina é errada. Quer dizer que, como tudo na vida, tem seus momentos históricos e sociais de dizer e/ou fazer tais coisas.
Antigamente a medicina nos mandava repousar, ficar em casa e, dependendo da doença, ficarmos isolados do mundo. Hoje, mesmo quem tá absurdamente doente é incentivado a fazer exercícios físicos e trabalhar. O que está certo? O que está errado? Não sei... só sei que eu sei o que é melhor pra mim, física e espiritualmente falando.
E aí vem meu outro exemplo sobre essa questão. Há dois anos eu perdi peso muito rápido, sempre com diarreia e o abdômen inchado. Fui num gastro e descobri que eu tinha Síndrome do Intestino Irritável e que a lactose fazia com que eu passasse muito mal (além de fritura e feijão). Bom, há alguns meses voltei a ficar mal, com diarreias todos os dias e me sentindo estufada. Revendo minha dieta, resolvi fazer o teste do glúten. Em três dias parei de ter diarreia, voltei a comer normalmente e me senti com muito menos fadiga. Fiquei duas semanas sem nada de glúten e depois voltei a comer glúten num dia pra testar. Voltou todos os sintomas de novo. Decidi: não vou mais comer glúten. E pra mim foi bom. Comentei com a minha neuro e ela disse pra eu ir num gastro fazer um teste pra ver se eu tenho mesmo intolerância ao glúten. Ainda não fui fazer e não sei quando vou. Simplesmente porque não importa o que o médico ou o exame digam: eu não vou voltar a comer glúten. Eu sei o que me faz passar bem e o que me faz passar mal. Eu não quero voltar a ter diarreia todos os dias.
Eu acho importante ter o conhecimento da ciência médica pro tratamento da doença. Mas eu também acho que não devemos deixar de lado o conhecimento empírico do dia a dia. A vivência das pessoas. Nisso eu incluo tanto a minha experiência em remissão da doença quanto o conhecimento da minha avó sobre chás pra melhorar dor de barriga.
Sabe aquele ditado popular "nem tanto ao mar nem tanto à terra? Ou, "nem tanto ao céu nem tanto ao inferno"? Então, eu não acredito absurdamente no conhecimento popular, nem totalmente no conhecimento médico. Mas não nego nenhum dos dois. Afinal, os dois estão sendo construídos, destruídos, reconstruídos há tanto tempo que seria ignorância negar ou acreditar cegamente em qualquer um deles.
Agora, "nada sobre nós sem nós" é, para além da valorização da vivência uma questão de respeito a experiência e necessidades das pessoas. Isso me lembrou também de umas estagiárias de psicologia que quiseram fazer um trabalho com cuidadores de pessoas com doenças mentais e, nas reuniões, falavam como se as pessoas que vivem, todos os dias a experiência de cuidar, não soubessem o que estavam falando. Além de ser uma atitude ignorante não ouvir quem vive a experiência, é desrespeitoso.
Vai fazer uma rampa pra cadeirante? Chama um cadeirante pra avaliar onde fica e como fica melhor. Vai escrever um cardápio em braile? Chama alguém com deficiência visual, usuária de braile, pra saber como fica melhor. Vai fazer comida pra quem não pode comer glúten? Chama alguém com doença celíaca pra montar o menu. Vai falar sobre qualquer doença? Chama quem tem pra te ajudar a falar sobre. Médicos sabem muito sobre doenças, deficiências, síndromes etc. Mas, tirando aqueles que tem a doença que tratam, eles não sabem o que é viver a doença socialmente.
Que 2016, esse ano que está começando, seja um ano mais inclusivo. E inclusão é colocar quem vive a diferença no centro das discussões não como objeto, mas como sujeito.
Até mais!
Bjs